Entre
1549 – quando chegam os jesuítas – e a Independência, por mais de 250
anos portanto, foi relativamente intensa a atividade pictórica no
Brasil, em especial na Bahia e em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em
Minas Gerais, mas também em outras regiões. Muitos dos pintores então
atuantes eram padres ou irmãos leigos, e nessa condição trabalhavam sob a
orientação direta das diferentes ordens religiosas. Nos primeiros anos
da colonização, tais artistas – sem formação profissional, mais dotados
de fé que de engenho ou talento, trabalhando para a edificação dos
fieis, a salvação das almas e a maior glória de Deus e da Igreja – eram
não apenas portugueses, mas também alemães, holandeses, flamengos,
tiroleses, franceses, italianos e de outras origens; isso significa que
muitas correntes estilísticas e tradições nacionais convergiram, naquele
período remoto, para dar forma àquilo que se poderia chamar de pintura
colonial brasileira, a pintura dos Sécs. XVI a XVIII, a pintura dos
primitivos brasileiros.
Predomina
em tal pintura, com esmagadora freqüência, a temática religiosa,
compreensivelmente do Novo Testamento, mas também cenas da vida de Maria
e dos santos; muito esporadicamente ocorrem retratos, algumas poucas
decorações de assunto profano e mesmo incipientes representações da
paisagem, grandemente esquematizadas; há inclusive menção a um retrato
eqüestre pintado em São Paulo, no Séc. XVII! A pintura de cavalete é
exceção: regra é a pintura arquitetônica, e a partir de 1732 a pintura
ilusionística, perspectivista ou di sotto in su, de origem jesuítica, a
adornar forros de igrejas afim de revelar aos olhos atônitos dos fieis a
beleza que os aguardava no céu, com seus anjos e santos precariamente
equilibrando-se entre as nuvens. Também muito raramente a pintura trocou
o âmbito da igreja pelo ambiente privado de residências, casas de
câmara ou palácios, visto como possuía função eminentemente comunitária.
Tal como ocorreu com praticamente toda a pintura colonial
latino-americana, nossos primeiros pintores inspiraram-se em modelos
europeus, não em pinturas (que inexistiam), porém em estampas e
ilustrações de missais e livros de orações flamengos, franceses,
italianos ou de outras origens, como demonstraram há muitos anos Hannah
Levy e Luís Jardim. Isso empresta às suas produções sólida composição, a
contrastar com o desenho tosco e o suave colorido, que repercutiria em
pleno Séc. XX em certas obras de Tarsila, Guignard e Volpi, por exemplo.
A fonte iconográfica européia empresta também, a muitas pinturas
coloniais brasileiras, certa aparência arcaica, fruto da inusual fusão
de estilos de várias épocas e de diferentes origens étnicas e
geográficas.
Foram
legião os pintores jesuítas, franciscanos, beneditinos ou carmelitas
que produziram no Brasil; mas, da imensa maioria, só ficaram os nomes,
elencados por estudiosos como Serafim Leite ou Silva-Nigra; por outro
lado, há muitíssimas pinturas, espalhadas por igrejas e conventos, cujos
autores não são conhecidos: esforço sobre-humano ou talvez impossível
seria o de vincular tais pinturas àqueles nomes, tanto mais que o estado
de conservação da maioria é precário, e que sucessivos restauros
adulteraram consideravelmente sua aparência original.
O preconceito acadêmico, originado com a Missão Artística Francesa
de 1816, conseguiu minimizar a importância dessas singelas pinturas
coloniais, o que se reflete na incompreensão e na intolerância que por
elas demonstra em fins do Séc. XIX um crítico como Gonzaga Duque. E não
foi senão em pleno Séc. XX, graças a estudiosos como Mário de Andrade
por exemplo, que se iniciou o processo de reavaliação cultural da antiga
pintura brasileira, datando de então a recuperação de vários nomes de
artistas hoje sabidamente importantes.
BAHIA
Uma das regiões brasileiras a experimentar durante o período
colonial maior atividade artística, a Bahia presenciou o florescimento
ao longo de quase 300 anos, a partir de 1560, de uma autêntica escola de
pintura, nisso igual ou superior a Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Como acontece também nessas regiões, a grande maioria das
pinturas baianas sobreviventes não possui autoria conhecida, enquanto
inversamente os arquivos conservam inúmeros nomes de pintores dos quais
não se conhece qualquer obra. Predomina a pintura religiosa, seguida de
longe pelo retrato, impondo-se, naquela, a pintura perspectivista à de
cavalete. Por outro lado, paisagens e naturezas-mortas inexistem, a não
ser como pormenor ou detalhe em composições maiores.
O
mais antigo pintor em atividade na Bahia, ou pelo menos por ali de
passagem, foi em 1560-61 o jesuíta Manoel Álvares, seguindo-se-lhe o
também jesuíta Belchior Paulo, ou Paielo (1587-1619). Deles, e ainda de
Antonio Bastos, Aleixo Cabral, André Rodrigues e Manoel Pinheiro, ativos
na primeira metade do Seiscentos, não ficou nenhuma obra, do mesmo modo
como desapareceu a bandeira encomendada em 1679 a Antonio Lustosa pela
Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Salvador. De biografia mais
conhecida, Lourenço Veloso, nascido em Goa, então colônia portuguesa na
Índia, pode ter estudado em Lisboa; a única pintura que dele nos resta, o
Retrato do Capitão Francisco Fernandes da Ilha, de 1699, pertencente à
Santa Casa de Salvador, nada revela da origem asiática do artista, e sim
quanto à sua formação nitidamente ocidental, tão ocidental que um de
seus exegetas, Carlos Ott, chegou a afirmar, com evidente exagero, que
pudesse ter visto originais de Rembrandt e de El Greco, e de neles
ter-se inspirado! Veloso deve ter morrido em 1708, quando seu nome
desaparece dos documentos.
Mais
curioso é o caso do artista Charles de Belleville que, nascido em
Rouen, França, em 1657, ingressou aos 13 anos na Companhia de Jesus em
Bordeaux. Viveu sucessivamente em Bordeaux, Périgueux e Poitiers, sempre
qualificado nos documentos como sculptor, faber lignarius e inclusive
sculptor egregius, sendo certo, segundo recentes pesquisas, que em 1690
trabalhou como escultor no retábulo e no forro da sacristia do Colégio
dos Jesuítas de Poitiers. Em 1698 Belleville embarcou para a China, onde
passaria os próximos 10 anos, trabalhando para o Imperador Kangxi sob o
nome de Wei Qialu. Parece que na China Belleville desempenhou também
funções de arquiteto e pintor, e seria de sua mão o projeto da igreja da
Missão francesa em Cantão. De qualquer modo, regressava à Europa, muito
doente, quando em 1708 seu navio aportou à Bahia; deixou-se então ficar
em Salvador, onde viria a falecer 22 anos mais tarde, em 1730. Segundo
Ott, Wei Qialu “possuía apurado gosto artístico, formado na velha
Europa, purificado e enriquecido no Oriente, e disposição para
aproveitar, como elementos decorativos, motivos tirados da fauna e da
flora brasileiras”. Serafim Leite julga ser sua a pintura do teto da
Igreja de Belém da Cachoeira, na Bahia, “porque se trata de arte florida
de caráter chinês”, e em época mais recente Carlos Ott lhe atribuiu
diversas pinturas no Convento de Santa Teresa em Salvador, atual sede do
Museu de Arte Sacra – atribuições inaceitáveis, como demonstramos em
nosso livro A China no Brasil. Assim sendo, continua em aberto a questão
de saber se Belleville foi também pintor e, caso o tenha sido, se
executou pinturas na Bahia e onde estarão, se é que ainda existem.
O
português João Álvares Correia trabalhou de 1699 a 1701 na pintura e
douramento da sacristia da Santa Casa da Misericórdia, e em 1714
concluiu as 24 pinturas do forro da capela-mor da Ordem Terceira do
Carmo, em Salvador. Atribuem-lhe ainda uma série de pinturas conservadas
na Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro, cidade onde por
conseguinte teria também trabalhado.
Também português, Francisco Coelho ingressou em 1720 na Companhia
de Jesus, quando járesidia em Salvador. Tinha 21 anos, e vinte anos mais
tarde pintaria uma Santa Ceia e mais 15 figuras de santos e
personalidades da Companhia de Jesus para o novo refeitório do Colégio
da Bahia. Pode ser de sua autoria um Retrato do Padre Alexandre de
Gusmão feito em 1733, só conhecido através de reprodução numa antiga
estampa alemã. Em 1757 o artista retirou-se para o Rio de Janeiro,
falecendo na Fazenda de Santa Cruz.
O primeiro grande vulto da pintura baiana é o português Antonio
Simões Ribeiro, chegado em 1735 a Salvador precedido de grande nomeada
por ter sido o autor, em 1723, junto com Vicente Nunes, das esplêndidas
pinturas que adornam o teto da biblioteca da Universidade de Coimbra. Já
no ano da chegada encetou a decoração da abóbada da capela-mor da
igreja da Santa Casa da Misericórdia, e no ano seguinte realizou a
pintura do forro do salão do Senado da Câmara, obras que não chegaram a
nossos dias. Em 2002, contudo, Domingos Tellechea, à frente da equipe de
restauradores incumbida de recuperar o teto em caixotões do salão nobre
da Santa Casa da Misericórdia, identificou, recobertos por espessa
camada de sujeira e muitas repinturas, 15 painéis que imediatamente
atribuiu a Simões Ribeiro, descoberta da maior importância para a
história da pintura baiana e brasileira. Em 1745 Simões Ribeiro
continuava em atividade, incumbido da pintura do forro da Igreja do
Convento de Santa Clara do Desterro, que se perdeu.
Quinze anos se passaram até que em 1769 Domingos da Costa
Filgueiras executou a pintura em perspectiva da Igreja de Nossa Senhora
da Saúde e Glória, em Salvador; infelizmente, a parte central dessa obra
foi adulterada por uma restauração desastrosa realizada entre 1887-89,
permanecendo porém íntegras as demais partes. Essa pintura
perspectivista de Filgueiras foi a segunda do gênero realizada na Bahia,
tendo sido precedida pela do forro da Biblioteca do Colégio de Jesus,
atual Catedral, feita por volta de 1750 por autor não identificado. São
também de autoria de Filgueiras as pinturas do teto da sacristia da
Igreja da Ordem Terceira da Penitência, que ainda existem, tendo
desaparecido o forro em perspectiva no primeiro pavimento da mesma
Ordem.
O
maior pintor baiano dos tempos coloniais é José Joaquim da Rocha, que
paradoxalmente pode nem ter nascido na Bahia, onde de qualquer modo já
se encontrava em 1764, como ajudante do pintor Leandro Ferreira de
Souza. Como seu nome desaparece dos arquivos entre 1766-69, é possível
que tenha passado uma temporada em Portugal, estudando pintura. Nesse
mesmo ano, já então designado nos documentos como “mestre pintor”,
participa com Domingos da Costa Filgueiras e José Renovato Maciel de
concorrência para a execução da pintura em perspectiva do teto da Igreja
de Nossa Senhora da Glória e Saúde, vencida como já se viu por
Filgueiras; só três anos depois ganha a concorrência para pintar o forro
em perspectiva da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia – uma
de suas melhores realizações -, pelo qual cobrou quantia tão irrisória
que, ao término dos trabalhos, a Irmandade decidiu espontaneamente
pagar-lhe mais. A partir da pintura do forro de Nossa Senhora da
Conceição da Praia firmou-se José Joaquim da Rocha como o primeiro
pintor da Bahia, pondo termo à hegemonia de seu rival Domingos da Costa
Filgueiras, que de então até morrer, vinte e cinco anos mais tarde,
nunca mais realizou qualquer obra de vulto. Nos próximos anos, Rocha
pintou diversos outros tetos em perspectiva, alguns dos quais ainda
sobrevivem – como por exemplo o da Capela do Salvador no Convento do
Carmo, por longos anos atribuído a Eusébio de Matos, irmão do poeta
Gregório de Matos. Outro teto, o da Igreja de Nossa Senhora da Palma,
representa A Glorificação de Santo Agostinho. Em muitas pinturas
perspectivistas Rocha teve por ajudante Veríssimo de Souza Freitas, que
com o passar do tempo também se tornaria ótimo pintor perspectivista, na
senda aberta pelo mestre. Muito embora José Joaquim da Rocha tenha
trabalhado até começos do Séc. XIX, seu último trabalho importante foi a
pintura da sacristia da Igreja do Pilar, em 1796. Diz a tradição que
mais ou menos pela mesma época o já velho artista vendeu uma propriedade
e entregou o dinheiro a seu melhor discípulo, José Teófilo de Jesus,
para que pudesse ir à Europa estudar. Faleceu em 1807, solteiro e em
avançada idade.
José
Teófilo de Jesus, que efetivamente estudou em Lisboa entre 1794 e
começos de 1801, tendo cursado a Academia de Desenho ou do Nu e entrado
em contacto com Pedro Alexandrino de Carvalho, tornou-se a partir de
1816 o pintor mais notável da Bahia, se bem que sua predileção fosse a
pintura de cavalete, e não a perspectivista, talvez porque, como
escreveu Carlos Ott, fazia-lhe falta o que sobrara a Rocha – “a
imaginação arrojada dos pintores italianos, que influenciaram tão
favoravelmente o mestre”. Muitos são os quadros atribuídos a Teófilo,
sendo de sua autoria os 40 pintados entre 1836-40 para a sacristia e os
corredores laterais da Igreja do Bonfim (quando já se abeirava da casa
dos 80), além das pinturas executadas na Igreja de Nossa Senhora do
Carmo, em Cachoeira, e de alguns painéis conservados no Museu de Arte e
no Museu de Arte Sacra de Salvador. José Teófilo de Jesus, que formou
um único discípulo – Olímpio Pereira da Mata, ainda ativo em 1852 -,
morreu em 1847, ao cair de um andaime quando executava trabalhos na
Matriz da Divina Pastora, em Sergipe.
Outros
discípulos de José Joaquim da Rocha que muito se destacaram, além dos
acima citados, foram Antonio Pinto e Antonio Dias, autores da pintura do
forro da nave da Matriz do Passo, em Salvador; Manoel José de Souza
Coutinho, Mateus Lopes – até bem pouco tempo desconhecido, mas que há
quem compare a José Teófilo de Jesus -, José da Costa Andrade, autor de
David tocando harpa e vários outros quadros na sacristia da Matriz de
Santana em Salvador, João Nunes da Mata e principalmente Antonio Joaquim
Franco Velasco, autor da pintura do forro da Igreja de Nosso Senhor do
Bonfim, retratista e professor de, entre outros, José Rodrigues Nunes e
Bento José Rufino Capinam.
De
duas curiosíssimas pinturas baianas, ambas de autoria ignorada,
trataremos a seguir. A primeira, de 1743, é o chamado Ex-Voto de
Agostinho Pereira da Silva, que descreve, como numa história em
quadrinhos a que nem mesmo faltam as legendas – “Cometido de duas
medonhas cobras”, “Quiseram-no matar os paulistas”, “Já sacerdote
enfermo encostado em uma muleta desenganado que morria de uma grande
ferida” etc. -, as desventuras por que passou o dito Agostinho desde que
deixou sua cidade de Lamego, em Portugal, para tentar a vida em Minas
Gerais, até tornar-se sacerdote, após mil peripécias e uma promessa
feita à Senhora dos Remédios. Quanto à segunda obra, sem similar em toda
a pintura colonial brasileira, é a Visita dos Governadores à Capela da
Graça, de meados do Séc. XVIII, na qual aparecem carruagens, personagens
liliputianos defronte à Capela da Graça, Catarina Paraguaçu e Diogo
Álvares Correa, indígenas dançando ou portando guirlandas, o mar ao
fundo, velas de algumas embarcações e, por sobre todo esse cenário, o
céu.
RIO DE JANEIRO
Felizmente
dispomos, para o Rio de Janeiro, de razoável número de dados concretos
acerca de um notável grupo de artistas a que se convencionou chamar de
Escola Fluminense de Pintura, cuja origem remonta ao Séc. XVII, com Frei
Ricardo do Pilar, e que continuaria ativa mesmo após a chegada da
Missão Artística Francesa em 1816.
Frei Ricardo do Pilar, alemão de Colônia, deve ter chegado ao Rio
de Janeiro em meados da década de 1660, e até morrer em 1700, em cheiro
de santidade, viveu no Mosteiro de São Bento, onde se encontra toda a
sua produção e em cujo Dietário é chamado de insignis pictor. Não são
conhecidos os detalhes de sua formação artística, feita provavelmente na
Alemanha, e seu biógrafo, Dom Clemente Maria da Silva-Nigra, acredita
que possa ter sido chamado a Portugal para decorar algum convento ou
igreja, antes de embarcar para o Brasil. Sua obra mais conhecida está na
sacristia do Mosteiro de São Bento: é o grande painel representando de
corpo inteiro e em tamanho maior que o natural o Senhor dos Martírios,
datável dos últimos anos de sua vida e acusando afinidade estilística
com algumas pinturas
flamengo-portuguesas dos Sécs. XV e XVI, como o Ecce Homo, de autor
desconhecido,do Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa, ou o célebre
Bom Pastor, de Frei Carlos, no mesmo museu.
Um dos pintores mais importantes ativos na primeira metade do Séc.
XVIII no Rio de Janeiro foi o português Caetano da Costa Coelho, que ali
trabalhou entre 1706-49. Conforme contrato firmado em 1732 com a Ordem
Terceira de São Francisco da Penitência, Caetano se comprometeu a dourar
“toda a obra de talha que se acha na capela da Ordem, do arco para
dentro, como também o pé do Calvário do Senhor que está na tribuna da
mesma capela, que se há de fazer, e mais a pintura de todo o teto que há
de ser da melhor perspectiva que se assentar, e os oito painéis da
mesma capela serão pintados com os santos que se lhe mandar”. Esse
trabalho no teto da capela-mor da Igreja da Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência, realizado entre 1732-36, foi a primeira pintura
perspectivista feita no Brasil, na tradição inaugurada por Andréa Pozzo
na Chiesa del Gesù em Roma, seguindo-se-lhe, entre 1737-43, a bem mais importante pintura em perspectiva do teto da nave da mesma igreja, representando São Francisco em glória no céu.
Mas o verdadeiro continuador de Frei Ricardo do Pilar e chefe da
Escola Fluminense de Pintura (no dizer de Porto-alegre) seria José de
Oliveira Rosa, pintor de temas religiosos, alegorias e retratos nascido e
falecido no Rio de Janeiro. Sua obra talvez mais importante terá sido o
grande painel decorativo, já destruído, da sala de audiências do Paço
Imperial, representando O Gênio da América; mas subsistem, de sua mão,
diversas obras na antiga Igreja dos Carmelitas (A Virgem do Monte
Carmelo, no teto da capela-mor, e o Retrato de Madre Jacinta de São
José), e o Mosteiro de São Bento conserva algumas pinturas de sua
autoria (Santa Bárbara, Visão de São Bernardo), ou a ele atribuídas (as
oito Cenas da Vida de São Bento por exemplo). Estilisticamente, Rosa
oscilava entre o gosto estático e arcaizante do Séc. XVII e o já mais dinâmico
do Séc. XVIII, o que se pode ver nitidamente quando se compara o
Retrato de Madre Jacinta à Santa Bárbara e à Visão de São Bernardo da
Capela das Relíquias do mosteiro beneditino, sabendo-se que as três
pinturas foram executadas no mesmo ano de 1769: enquanto o retrato evoca
de imediato a pintura seiscentista, os painéis são já tipicamente
barrocos.
De extrema originalidade é a contribuição de Carlos Julião à
pintura no Rio de Janeiro. Italiano, tendo ingressado em 1763 no
Exército português, ao qual serviu até 1811 quando faleceu, Julião
efetuou longas viagens ao Brasil, Índia e China, no decurso das quais
fixou numa série de desenhos aquarelados tudo quanto lograra observar,
distribuindo-os por três grupos: Notícia Sumária do Gentilismo da Ásia
com Dez Riscos Iluminados – Ditos de Figurinhas de Brancos e Negros dos
Usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio – Ditos de Vasos e Tecidos Peruvianos.
É a segunda parte da coletânea que nos interessa de perto – as
aquarelas representando tipos e costumes do Rio de Janeiro e de Minas,
de uma agilidade de execução e de uma vivacidade cromática que fariam
inveja a Debret, Guillobel e outros cronistas visuais de começos do Séc.
XIX. Adquiridas pela Biblioteca Nacional, essas 43 aquarelas foram
objeto de uma publicação em 1960. Muito recentemente, a Fundação Ricardo
Brennand de Recife adquiriu num leilão londrino diversas outras
aquarelas de assunto brasileiro, de autoria desse curioso artista.
João Francisco Muzzi, de origem italiana e aluno de José de
Oliveira Rosa, foi cenógrafo, primeiro na Casa da Ópera e depois no
Teatro de Manuel Luís. Além de desenhos para um Mapa Botânico conservado
na Biblioteca Nacional são conhecidas, de sua autoria, duas pinturas,
cada qual assinada “Muzzi inventou e delineou”, hoje na Fundação Castro
Maya, do Rio de Janeiro, adquiridas em 1940 em Portugal e representando
uma o incêndio, e a outra a reconstrução do Recolhimento do Parto, em
1789. Há cópias dessas obras, em dimensão menor e formato oval, devidas
possivelmente a Leandro Joaquim. É provável que as pinturas originais
tenham sido ofertadas pela Irmandade, agradecida, ao Vice-Rei Dom Luís
de Vasconcelos, o qual, antes de as remeter a Lisboa, fê-las reproduzir.
As pinturas de Muzzi possuem, além do valor artístico, importância
documental, porque revelam detalhes do mobiliário, do vestuário e dos
meios de locomoção no Rio de fins do Setecentos, além de, no painel da Reconstrução, estarem representados o vice-rei e Mestre Valentim.
Provável aluno de José de Oliveira Rosa terá sido também João de
Souza, autor de pinturas religiosas e retratos, e que Porto-alegre
inclui na “classe dos coloristas”. A Santa Casa da Misericórdia guarda
vários retratos de benfeitores feitos por João de Souza, autor também do
Retrato do General Silva Teles, na Igreja da Candelária, e de vários
painéis religiosos da Igreja do Carmo.
Nascido escravo, Manuel da Cunha demonstrou desde a infância
vocação para a arte, obtendo depois permissão para estudar pintura, o
que fez sob a orientação de João de Souza, aperfeiçoando-se mais tarde
em Lisboa. Seriam de Manuel da Cunha, conforme Porto-alegre escreveu em
1841, a pintura do forro da Capela do Senhor dos Passos, vizinha à
Capela Imperial, o Retrato do Conde de Bobadela, que pertenceu à Câmara
Municipal, e umas poucas pinturas de tema religioso feitas para a Igreja
do Castelo e a de São Francisco
de Paula. Mas Vieira Fazenda, em 1927, esclareceu que, no que respeita
ao Retrato do Conde de Bobadela, a obra até nós chegada é uma cópia da
original, destruída em 1790 num incêndio. Como era de praxe em seu
tempo, Manuel da Cunha também foi professor do seu ofício, mantendo
inclusive em sua residência um curso com duração de sete anos. “Não era
um gênio, (dele escreveu Porto-alegre), pois não era culto. Muito
produziu por força de vontade e por simples desejo de amor à arte e de
consagrado respeito à religião”.
Outro aluno de João de Souza foi Leandro Joaquim, que teria sido,
além de pintor, arquiteto – a terrazão Marques dos Santos, que diz ter o
mesmo apresentado um projeto para a reconstrução do Recolhimento do
Parto. Também não é impossível que tivesse sido cenógrafo no Teatro de
Manuel Luís. Além de três pinturas que pertenceram
à Igreja do Morro do Castelo e hoje se encontram na Igreja de São
Sebastião – Senhora de Belém, São João e São Januário -, do painel de
Nossa Senhora da Boa Morte, na igreja de igual nome, e do Retrato de Dom
Luís de Vasconcelos, são-lhe atribuídos os seis graciosos painéis ovais
que se encontram no Museu Histórico Nacional: Cena Marítima (segundo
alguns estudiosos, a chegada ao Rio de Janeiro da frota inglesa a
caminho da Austrália), Revista Militar no Largo do Paço, Pesca da Baleia
na Baía do Rio de Janeiro, Procissão Marítima no Hospital dos
Lázaros,Vista da Igreja da Glória e Vista da Lagoa do Boqueirão e dos
Arcos da Carioca, queoriginariamente ornavam um dos pavilhões do Passeio
Público. Sejam ou não de LeandroJoaquim, tais pinturas impressionam
pela vivacidade do colorido e pela movimentação, e podem ser
consideradas das mais antigas representações paisagísticas de nossa pintura colonial.
Manoel Dias de Oliveira estudou pintura no Rio de Janeiro e se
aperfeiçoou no Porto a expensas de um comerciante que o patrocinou.
Morrendo esse seu benfeitor, seguiu para Lisboa, onde prosseguiu seus
estudos, concluindo-os em Roma sob a orientação do célebre Pompeo
Battoni, retratista que foi um dos precursores do Neoclacissismo.
Conhecido, enquanto esteve na Europa, como o Brasiliense, ao regressar
ao Brasil passou a ser chamado o Romano. Foi umdos precursores dos novos
métodos de ensino artístico no país, utilizando em suas aulas modelo
vivo e proibindo a cópia de estampas em queaté então vinha se baseando o
aprendizado colonial. Ao chegar ao Brasil em 1816 a MissãoArtística
Francesa, Manoel Dias de Oliveira, que desde 1800 regia a Aula Pública
de Desenho e Figura, abandonou a profissão e se recolheu em Campos, onde
faleceu por volta de 1837.
Bom desenhista, o colorido vivaz de suas pinturas preludia a pintura do
novo século que se abria; faltou-lhe porém maior emoção.
Filho de lavrador, nascido na pequena cidade de Itaboraí, José
Leandro de Carvalho seria o retratista mais requisitado do Rio de
Janeiro em começos do Séc. XIX, “pequeno Velásquez da burguesia
portuguesa da Corte de Dom João VI”, como a seu respeito escreveu um
estudioso. Fez inúmerosretratos de Dom João VI, de Dom Pedro I e da
Princesa Leopoldina, de nobres e ministros, além de ter produzido
pinturas religiosas e alegorias.
Francisco
Pedro do Amaral foi o último grande vulto da Escola Fluminense,
servindo ao mesmo tempo de elo entre a pintura colonial e as novas
tendências introduzidas no país pela Missão de 1816. Pintor
decorativista e de retratos, cenógrafo e arquiteto, foi aluno de José
Leandro de Carvalho e do Brasiliense antes de se tornar em 1820
pensionistada Academia de Belas Artes, e de em 1823 ser um dos cinco
alunos de Jean-Baptiste Debret na primeira aula ou classe particular de
pintura organizada peloartista francês, ao lado de Simplício de Sá, José
de Cristo Moreira, Souza Lobo e José da Silva Arruda. Nomeado chefe de
decorações da Casa Imperial, trabalhou no Palácio daQuinta da Boa Vista e
no Paço da Cidade, mas suas melhores obras podem ser ainda hoje
apreciadas no casarão que pertenceu à Marquesa de Santos, no bairro de
São Cristóvão: Abelardo e Heloísa, Fausto e Margarida, Tristão e Isolda e
Os Cinco Continentes. Faleceu moço ainda, vítima da tuberculose, após
intensa atividade artística, na qual começara como continuador das
tendências barrocas ou rococós de seus primeiros mestres para, em
seguida, adotar o vocabulário neoclássico e pré-romântico de Debret e
dos demais artistas da Missão Francesa de 1816.
MINAS GERAIS
Durante
o período colonial e mesmo após a Independência, até bem adentrado o
Séc. XIX, Minas Gerais foi palco de importantemovimento pictórico,
dotado de características próprias e representado por pinturas
arquitetônicas ou de cavalete, religiosas ou profanas, devidas a mais de
uma centena de artistas – como criteriosamente os elencou Rodrigo Melo
Franco de Andrade -, destacando-se entre todos Manoel da Costa Ataíde,
José Soares de Araújo, João Batista de Figueiredo e João Nepomuceno
Correa de Castro.
Tal como ocorre com as demais escolas regionais em que se divide a
pintura colonial brasileira, ressente-se a mineira de estudos mais
abrangentes, que analisem com método e em profundidade as obras e seus
autores. Pouco mais conhecida é porém a pintura religiosa executada em
forros de igreja, a qual pode ser dividida grosso modo em dois períodos:
antes e depois de 1755 aproximadamente.
Até
1755, a pintura arquitetônica mineira repercute as tendências que se
desenvolviam nas regiões litorâneas do país. As diferentes cenas
religiosas são dispostas isoladamente umas das outras, em caixotões, nos
forros ou tetos. Subordinadas embora à arquitetura, não conseguem
contudo integrar-se plenamente a ela, oferecendo ao espectador uma visão
fragmentada do conjunto. A aparência geral dessas obras anteriores a
1755 é estática, arcaizante: a sugestão de volume inexiste, e a paleta
se restringe a umas poucas tonalidades pesadas. Exemplo típico dessa
primeira fase da pintura mineira é o forro da nave da Matriz do Pilar,
em Ouro Preto.
Tem
início a segunda fase com a introdução em Minas da pintura
perspectivista, ilusionística ou di sotto in sù, cujo protótipo é a
decoração feita pelo padre Andréa Pozzo no teto da Igreja de Santo
Inácio, em Roma, em 1694. Adaptada ao gosto lusitano, esse tipo de
pintura, praticado no Rio de Janeiro desde 1732, só 20 anos mais tarde
seria adotado em Minas. A principal inovação da pintura perspectivista
luso-brasileira é a introdução de uma grande cena central – a visão –
que interrompe as linhas imaginárias que se dirigem aos diferentes
pontos de fuga da estrutura arquitetural, e é tratada como um quadro
independente. Curiosamente, essa visão central costumava ser pintada a
óleo, enquanto todo o restante da pintura era feita a têmpera.
O primeiro pintor perspectivista que atuou em Minas foi Antonio
Rodrigues Belo, autor da pintura ilusionística do forro da capela-mor da
Matriz de Cachoeira do Campo (1755). Pouco a pouco, a partir de então,
os forros em caixotões serão substituídos pelos de tabuado corrido, mais
adequados
a receber o novo tipo de decoração pictórica. Num terceiro momento, já
em fins do séc. XVIII e começos do seguinte, a pintura perspectivista
transborda de seus limites naturais arquitetônicos para, mediante um
procedimento puramente ilusório, criar toda uma pseudo-ordem de balcões,
pilastras, colunas e entablamentos que se equilibram no espaço
fictício.
Mesmo dentro de Minas, seria possível falar-se em três subestilos
ou partidos regionais, com características bastante diversificadas entre
si. O mais antigo desses partidos originou-se em Diamantina, na obra do
português José Soares de Araújo, e foi continuado localmente por seus
discípulos. Corresponderia aproximadamente ao barroco litorâneo, e tem
seu equivalente na Bahia na obra de um José Joaquim da Rocha, por
exemplo. A composição é severamente estruturada, e o colorido, soturno,
impõe-se pela dramaticidade. Inteiramente diverso é o partido surgido em
torno a Vila Rica, que tem na obra de Ataíde seu ponto mais elevado.
Aqui já não existem a dramaticidade e adensidade barrocas tão presentes
na obra de Araújo e seus continuadores, tudo se desenvolvendo em formas
leves e de gracioso colorido, bem à maneira rococó. Num terceiro
partido, surgido para os fins do Séc. XVIII, o pintor simulauma amurada
que encima a cimalha, por trás da qual coloca figuras de santos, anjos e
doutores da Igreja, postados em púlpitos ou balcões. Observe-se que nas
igrejas e nas capelas mais modestas, ocorre um tipo por assim dizer
primitivo ou caipira de pintura, externado em técnica rudimentar e num
desenho incipiente.
É
relativamente comum, em Minas, a pintura de chinesices, introduzida em
Minas Gerais pelos meados do Setecentos. Tais chinesices alternam-se por
vezes a cenas galantes, como as recuperadas há tempos na Igreja de
Santa Efigênia, em Ouro Preto. Foi também cultivada a pintura profana,
da qual poucos exemplos chegaram a nossos dias – entre eles os que ainda
podem admirados na antiga casa do PadreToledo, em Tiradentes, e no
atual Colégio São Joaquim, em Conceição do Mato Dentro.
Na impossibilidade de nos determos ante os nomes de todos os
pintores que se destacaram em Minas durante o período colonial,
fixemo-nos apenas no maior deles – Manuel da Costa Ataíde (1762-1830),
nascido e falecido em Mariana. Militar, “professordas artes de
arquitetura e pintura” – conforme documento que lhe passou em 1818 a
Câmara de Mariana -, sua obra mais antiga data de 1781: a encarnação de
duas imagens de Cristo. Já a parte mais considerável de sua produção,
que são as pinturas de forros, foi executada no Séc. XIX,
inclusiveaquela que talvez seja a obra-prima não apenas sua, mas de toda
a pintura colonial brasileira: o suntuoso forro da nave da Igreja de
São Francisco de Assis de Ouro Preto, no qual representou a Assunção de
Nossa Senhora, vendo-se a Virgem entre anjos musicantes e, encimando os
púlpitos, Santo Agostinho, São Jerônimo, São Gregório e Santo Ambrósio
– tudo extravasado numa paleta de suaves tonalidades azuis e rosas.
Várias outras pinturas perspectivistas executou Ataíde, entre elas a
Coroação da Virgem, na Igreja de Santo Antonio de Itaverava, a Ascenção
da Virgem, na capela-mor da Igreja de Santo Antonio em Santa Bárbara, e a
Aparição da Virgem a Santo Antônio, na Igreja de Santo Antônio em Ouro
Branco. Ataíde também deixou diversas pinturas de cavalete, como a série
representando cenas da vida do Patriarca Abraão, na Igreja de São
Francisco de Assis de Ouro Preto, e a renomada Ceia do Senhor, do
Colégio do Caraça, uma de suas últimas obras, e a única que assinou e
datou: Atahide fes no anno de 1828.
Contemporâneo e colaborador do Aleijadinho, Manoel da Costa Ataíde
representa o ponto mais alto e de maior originalidade a que atingiu a
pintura colonial brasileira, com suas soluções plásticas em que se
fundem elegância e refinamento.
PERNAMBUCO
Escrevendo
há quase 70 anos na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, dizia Joaquim Cardozo, da antiga pintura religiosa
pernambucana, que “apesar de não serem trabalhos muito antigos, pois a
data de sua execução deve estar situada entre os séculos 17 e 18, pouco
ou quase nada se conhece dos seus autores e da época em que eles
viveram; excetuando a pintura do teto da Igreja de São Pedro dos
Clérigos, em Recife, obra de João de Deus Sepúlveda, que na mesma
trabalhou entre os anos de 1764-68, e a que está no forro do coro da
mesma igreja, de autoria de Luiz Alves Pinto, tudo o mais é
desconhecido”. Passadas tantas décadas, força é reconhecer que a
situação acima descrita pouco se modificou, o que não deve causar
espanto, pois as causas de tanto desconhecimento perduram até hoje:
ausência de pesquisadores e dificuldade de acesso a documentos de
arquivo.
Como em toda a pintura colonial da América Latina, a pernambucana
vincula-se a tendências e estilos europeus, que busca imitar com a
compreensível defasagem cronológica, e com recursos técnicos obviamente
limitados. Influências flamengas, espanholas e em menor grau italianas,
alternam-se ao forte impacto da arte portuguesa para formar um conjunto
respeitável de obras anônimas, nas quais vívido senso cromático anima,
por vezes, um desenho tosco e improvisado, em meio a uma atmosfera
eminentemente popular.
Datam
de 1699 a 1702 as pinturas das paredes e do forro da Capela Dourada da
Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, em Recife,
admirável conjunto que parece ter querido emular nos Trópicos, a uma
distancia de dois séculos, as maravilhosas pinturas da capela-mor da
antiga Igreja da Madre de Deus, em Xabregas, junto a Lisboa, sede atual
do Museu Nacional do Azulejo. De autoria por identificar, algumas pelo
menos podem ter sido feitas (como propôs José Antonio Gonsalves de Melo)
por José Pinhão de Matos, talvez o melhor pintor pernambucano em
atividade naquele momento, além de amigo de Antônio Fernandes de Matos,
ministro da Ordem e arquiteto responsável pela obra. Desse valioso
conjunto de santos e santas destacam-se, pela qualidade e pelo estado de
conservação, São Pedro Depodo, São Torrelo, São Francisco e os Cardeais
e Santa Joana da Cruz. Quanto aos dois compridos painéis nas paredes
laterais da igreja, dedicados aos principais mártires franciscanos,
foram feitos em 1707-10.
Curioso conjunto de pinturas encontra-se desde 1729 na Igreja de
São Cosme e Damião, em Igaraçu. São quatro grandes painéis, o primeiro
dos quais se refere à fundação da cidade, a 27 de setembro de 1530, e
explica como deveu seu nome ao espanto dos indígenas ante o tamanho das
naves portuguesas (igaraçu significa grande barco em tupi); o segundo
revela como a construção da igreja deveu-se à gratidão dos portugueses a
São Cosme e São Damião, por terem derrotado em seu dia os índios da
região; o terceiro ilustra o milagre ocorrido a 1º. de maio de 1632,
quando alguns holandeses que saqueavam a vila decidiram destelhar a
igreja, “o que não puderam conseguir, porque dos que subiram acima uns
ficaram cegos, e outros mortos”; finalmente, o quarto representa um
episódio da peste de 1685, quando Igaraçu foi poupada graças a “especial
favor” de seus dois padroeiros. Esse último painel parece-nos
especialmente valioso pela quantidade dos personagens e pelo caráter
ingênuo, enorme história em quadrinhos bem de acordo com o espírito da
época.
Numerosas pinturas anônimas podem ser ainda hoje apreciadas nos
conventos e igrejas pernambucanos, como por exemplo na Sé de Olinda
(Santa Quitéria, São Estanislau e outras, algumas recuando ao Séc.
XVII), no Convento de Santo Antônio em Recife (Alexandre de Hales com
seus alunos São Tomás e São Boaventura), na Co-catedral da Madre de Deus
(Nossa Senhora Sedes Sapientiae, São Felipe Néri, São João Nepomuceno)
etc.
Mas a parte mais elevada da produção pictórica pernambucana do período colonial é constituída pela obra de três pintores de vida e carreira mais conhecida: João de Deus Sepúlveda, José Eloi e Francisco Bezerra -, devendo ainda ser mencionados alguns pintores de menor fôlego, como Manoel de Jesus Pinto, João José Lopes da Silva, Sebastião Canuto da Silva Tavares, Luis Alves Pinto e José Rebelo de Vasconcelos.
Mas a parte mais elevada da produção pictórica pernambucana do período colonial é constituída pela obra de três pintores de vida e carreira mais conhecida: João de Deus Sepúlveda, José Eloi e Francisco Bezerra -, devendo ainda ser mencionados alguns pintores de menor fôlego, como Manoel de Jesus Pinto, João José Lopes da Silva, Sebastião Canuto da Silva Tavares, Luis Alves Pinto e José Rebelo de Vasconcelos.
De
uma família de artistas, João de Deus Sepúlveda é o pintor pernambucano
mais importante do Séc. XVIII. Deve ter nascido no primeiro terço do
século, era também músico e parece ter seguido a carreira militar, pois é
referido às vezes em documentos como “Tenente João de Deus Sepúlveda”.
Sua obra mais antiga de que se tem notícia é a série de pinturas sobre a
vida de Santa Teresa, na Igreja de Santa Teresa da Ordem Terceira de
Nossa Senhora do Carmo em Recife, objeto de três contratos firmados
entre o artista e a irmandade em 1760-61. Poucos anos depois, a 14 de
junho de 1764, Sepúlveda firmou novo contrato, agora com a Mesa da
Irmandade de São Pedro, para realizar a pintura do enorme forro da
Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife, trabalho esse ao qual se
dedicou pelos próximos quatro anos, e que tem por tema São Pedro
Abençoando o Mundo Católico.
A Sepúlveda é ainda atribuída a pintura do forro da Igreja de
Nossa Senhora da Conceição dos Militares, em Recife, encomendada em 1781
pelo Governador José César de Menezes e representando a Batalha dos
Guararapes. Trata-se de obra de qualidade excepcional, sobretudo pela
vivacidade da cena evocada, a que não falta o detalhe da intervenção
miraculosa da Virgem Maria em favor dos portugueses.
Ativo na segunda metade do Séc. XVIII e ainda em começos do século
seguinte, José Eloi contratou em 1785 “um painel de sacristia do
Mosteiro de São Bento de Olinda e sua circunstância” – possivelmente o
grande painel do forro, com cenas da Vida de São Bento: O jovem Bento
deixa a casa paterna, O jovem Bento se dedica com ardor à oração e ao
trabalho, O jovem Bento decide-se a abandonar a carreira das ciências
pela vida religiosa etc. etc. Nesse, e em outros trabalhos que realizou
para os beneditinos de Olinda, sua arte não atingiria a mesma altura da
de João de Deus Sepúlveda; mas há, nela, um brasileirismo que o levou a
utilizar como suporte materiais regionais, como tiras de couro (Santa
Clara de Assis, da Igreja de São Francisco de Marechal Deodoro, em
Alagoas, cuja pintura do forro, de 1807, também seria de sua autoria).
Francisco Bezerra foi o autor, em 1785, dos 10 painéis sobre a
vida de São Pedro que outrora adornavam o forro da Igreja de São Pedro
dos Clérigos, e de há muito desapareceram. Sua arte pode ser porém
avaliada pelas oito cenas da vida de São Bento que executou em 1791 para
a sacristia da Igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda, e que o
revelam pintor dotado de certa habilidade, mas artista discreto.
Por José Roberto Teixeira Leite In http://www.raulmendesilva.pro.br/home01.shtml