Pesquisar este blog

quarta-feira, 20 de março de 2013

PINTURA COLONIAL BRASILEIRA (2º ano do Ens. Médio).


Entre 1549 – quando chegam os jesuítas – e a Independência, por mais de 250 anos portanto, foi relativamente intensa a atividade pictórica no Brasil, em especial na Bahia e em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, mas também em outras regiões. Muitos dos pintores então atuantes eram padres ou irmãos leigos, e nessa condição trabalhavam sob a orientação direta das diferentes ordens religiosas. Nos primeiros anos da colonização, tais artistas – sem formação profissional, mais dotados de fé que de engenho ou talento, trabalhando para a edificação dos fieis, a salvação das almas e a maior glória de Deus e da Igreja – eram não apenas portugueses, mas também alemães, holandeses, flamengos, tiroleses, franceses, italianos e de outras origens; isso significa que muitas correntes estilísticas e tradições nacionais convergiram, naquele período remoto, para dar forma àquilo que se poderia chamar de pintura colonial brasileira, a pintura dos Sécs. XVI a XVIII, a pintura dos primitivos brasileiros.
Predomina em tal pintura, com esmagadora freqüência, a temática religiosa, compreensivelmente do Novo Testamento, mas também cenas da vida de Maria e dos santos; muito esporadicamente ocorrem retratos, algumas poucas decorações de assunto profano e mesmo incipientes representações da paisagem, grandemente esquematizadas; há inclusive menção a um retrato eqüestre pintado em São Paulo, no Séc. XVII! A pintura de cavalete é exceção: regra é a pintura arquitetônica, e a partir de 1732 a pintura ilusionística, perspectivista ou di sotto in su, de origem jesuítica, a adornar forros de igrejas afim de revelar aos olhos atônitos dos fieis a beleza que os aguardava no céu, com seus anjos e santos precariamente equilibrando-se entre as nuvens. Também muito raramente a pintura trocou o âmbito da igreja pelo ambiente privado de residências, casas de câmara ou palácios, visto como possuía função eminentemente comunitária.

Tal como ocorreu com praticamente toda a pintura colonial latino-americana, nossos primeiros pintores inspiraram-se em modelos europeus, não em pinturas (que inexistiam), porém em estampas e ilustrações de missais e livros de orações flamengos, franceses, italianos ou de outras origens, como demonstraram há muitos anos Hannah Levy e Luís Jardim. Isso empresta às suas produções sólida composição, a contrastar com o desenho tosco e o suave colorido, que repercutiria em pleno Séc. XX em certas obras de Tarsila, Guignard e Volpi, por exemplo. A fonte iconográfica européia empresta também, a muitas pinturas coloniais brasileiras, certa aparência arcaica, fruto da inusual fusão de estilos de várias épocas e de diferentes origens étnicas e geográficas.
Foram legião os pintores jesuítas, franciscanos, beneditinos ou carmelitas que produziram no Brasil; mas, da imensa maioria, só ficaram os nomes, elencados por estudiosos como Serafim Leite ou Silva-Nigra; por outro lado, há muitíssimas pinturas, espalhadas por igrejas e conventos, cujos autores não são conhecidos: esforço sobre-humano ou talvez impossível seria o de vincular tais pinturas àqueles nomes, tanto mais que o estado de conservação da maioria é precário, e que sucessivos restauros adulteraram consideravelmente sua aparência original.
O preconceito acadêmico, originado com a Missão Artística Francesa de 1816, conseguiu minimizar a importância dessas singelas pinturas coloniais, o que se reflete na incompreensão e na intolerância que por elas demonstra em fins do Séc. XIX um crítico como Gonzaga Duque. E não foi senão em pleno Séc. XX, graças a estudiosos como Mário de Andrade por exemplo, que se iniciou o processo de reavaliação cultural da antiga pintura brasileira, datando de então a recuperação de vários nomes de artistas hoje sabidamente importantes.

BAHIA

Uma das regiões brasileiras a experimentar durante o período colonial maior atividade artística, a Bahia presenciou o florescimento ao longo de quase 300 anos, a partir de 1560, de uma autêntica escola de pintura, nisso igual ou superior a Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Como acontece também nessas regiões, a grande maioria das pinturas baianas sobreviventes não possui autoria conhecida, enquanto inversamente os arquivos conservam inúmeros nomes de pintores dos quais não se conhece qualquer obra. Predomina a pintura religiosa, seguida de longe pelo retrato, impondo-se, naquela, a pintura perspectivista à de cavalete. Por outro lado, paisagens e naturezas-mortas inexistem, a não ser como pormenor ou detalhe em composições maiores.

O mais antigo pintor em atividade na Bahia, ou pelo menos por ali de passagem, foi em 1560-61 o jesuíta Manoel Álvares, seguindo-se-lhe o também jesuíta Belchior Paulo, ou Paielo (1587-1619). Deles, e ainda de Antonio Bastos, Aleixo Cabral, André Rodrigues e Manoel Pinheiro, ativos na primeira metade do Seiscentos, não ficou nenhuma obra, do mesmo modo como desapareceu a bandeira encomendada em 1679 a Antonio Lustosa pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Salvador. De biografia mais conhecida, Lourenço Veloso, nascido em Goa, então colônia portuguesa na Índia, pode ter estudado em Lisboa; a única pintura que dele nos resta, o Retrato do Capitão Francisco Fernandes da Ilha, de 1699, pertencente à Santa Casa de Salvador, nada revela da origem asiática do artista, e sim quanto à sua formação nitidamente ocidental, tão ocidental que um de seus exegetas, Carlos Ott, chegou a afirmar, com evidente exagero, que pudesse ter visto originais de Rembrandt e de El Greco, e de neles ter-se inspirado! Veloso deve ter morrido em 1708, quando seu nome desaparece dos documentos.

Mais curioso é o caso do artista Charles de Belleville que, nascido em Rouen, França, em 1657, ingressou aos 13 anos na Companhia de Jesus em Bordeaux. Viveu sucessivamente em Bordeaux, Périgueux e Poitiers, sempre qualificado nos documentos como sculptor, faber lignarius e inclusive sculptor egregius, sendo certo, segundo recentes pesquisas, que em 1690 trabalhou como escultor no retábulo e no forro da sacristia do Colégio dos Jesuítas de Poitiers. Em 1698 Belleville embarcou para a China, onde passaria os próximos 10 anos, trabalhando para o Imperador Kangxi sob o nome de Wei Qialu. Parece que na China Belleville desempenhou também funções de arquiteto e pintor, e seria de sua mão o projeto da igreja da Missão francesa em Cantão. De qualquer modo, regressava à Europa, muito doente, quando em 1708 seu navio aportou à Bahia; deixou-se então ficar em Salvador, onde viria a falecer 22 anos mais tarde, em 1730. Segundo Ott, Wei Qialu “possuía apurado gosto artístico, formado na velha Europa, purificado e enriquecido no Oriente, e disposição para aproveitar, como elementos decorativos, motivos tirados da fauna e da flora brasileiras”. Serafim Leite julga ser sua a pintura do teto da Igreja de Belém da Cachoeira, na Bahia, “porque se trata de arte florida de caráter chinês”, e em época mais recente Carlos Ott lhe atribuiu diversas pinturas no Convento de Santa Teresa em Salvador, atual sede do Museu de Arte Sacra – atribuições inaceitáveis, como demonstramos em nosso livro A China no Brasil. Assim sendo, continua em aberto a questão de saber se Belleville foi também pintor e, caso o tenha sido, se executou pinturas na Bahia e onde estarão, se é que ainda existem.

O português João Álvares Correia trabalhou de 1699 a 1701 na pintura e douramento da sacristia da Santa Casa da Misericórdia, e em 1714 concluiu as 24 pinturas do forro da capela-mor da Ordem Terceira do Carmo, em Salvador. Atribuem-lhe ainda uma série de pinturas conservadas na Ordem Terceira do Carmo do Rio de Janeiro, cidade onde por conseguinte teria também trabalhado.

Também português, Francisco Coelho ingressou em 1720 na Companhia de Jesus, quando járesidia em Salvador. Tinha 21 anos, e vinte anos mais tarde pintaria uma Santa Ceia e mais 15 figuras de santos e personalidades da Companhia de Jesus para o novo refeitório do Colégio da Bahia. Pode ser de sua autoria um Retrato do Padre Alexandre de Gusmão feito em 1733, só conhecido através de reprodução numa antiga estampa alemã. Em 1757 o artista retirou-se para o Rio de Janeiro, falecendo na Fazenda de Santa Cruz.

O primeiro grande vulto da pintura baiana é o português Antonio Simões Ribeiro, chegado em 1735 a Salvador precedido de grande nomeada por ter sido o autor, em 1723, junto com Vicente Nunes, das esplêndidas pinturas que adornam o teto da biblioteca da Universidade de Coimbra. Já no ano da chegada encetou a decoração da abóbada da capela-mor da igreja da Santa Casa da Misericórdia, e no ano seguinte realizou a pintura do forro do salão do Senado da Câmara, obras que não chegaram a nossos dias. Em 2002, contudo, Domingos Tellechea, à frente da equipe de restauradores incumbida de recuperar o teto em caixotões do salão nobre da Santa Casa da Misericórdia, identificou, recobertos por espessa camada de sujeira e muitas repinturas, 15 painéis que imediatamente atribuiu a Simões Ribeiro, descoberta da maior importância para a história da pintura baiana e brasileira. Em 1745 Simões Ribeiro continuava em atividade, incumbido da pintura do forro da Igreja do Convento de Santa Clara do Desterro, que se perdeu.

Quinze anos se passaram até que em 1769 Domingos da Costa Filgueiras executou a pintura em perspectiva da Igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória, em Salvador; infelizmente, a parte central dessa obra foi adulterada por uma restauração desastrosa realizada entre 1887-89, permanecendo porém íntegras as demais partes. Essa pintura perspectivista de Filgueiras foi a segunda do gênero realizada na Bahia, tendo sido precedida pela do forro da Biblioteca do Colégio de Jesus, atual Catedral, feita por volta de 1750 por autor não identificado. São também de autoria de Filgueiras as pinturas do teto da sacristia da Igreja da Ordem Terceira da Penitência, que ainda existem, tendo desaparecido o forro em perspectiva no primeiro pavimento da mesma Ordem.

O maior pintor baiano dos tempos coloniais é José Joaquim da Rocha, que paradoxalmente pode nem ter nascido na Bahia, onde de qualquer modo já se encontrava em 1764, como ajudante do pintor Leandro Ferreira de Souza. Como seu nome desaparece dos arquivos entre 1766-69, é possível que tenha passado uma temporada em Portugal, estudando pintura. Nesse mesmo ano, já então designado nos documentos como “mestre pintor”, participa com Domingos da Costa Filgueiras e José Renovato Maciel de concorrência para a execução da pintura em perspectiva do teto da Igreja de Nossa Senhora da Glória e Saúde, vencida como já se viu por Filgueiras; só três anos depois ganha a concorrência para pintar o forro em perspectiva da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia – uma de suas melhores realizações -, pelo qual cobrou quantia tão irrisória que, ao término dos trabalhos, a Irmandade decidiu espontaneamente pagar-lhe mais. A partir da pintura do forro de Nossa Senhora da Conceição da Praia firmou-se José Joaquim da Rocha como o primeiro pintor da Bahia, pondo termo à hegemonia de seu rival Domingos da Costa Filgueiras, que de então até morrer, vinte e cinco anos mais tarde, nunca mais realizou qualquer obra de vulto. Nos próximos anos, Rocha pintou diversos outros tetos em perspectiva, alguns dos quais ainda sobrevivem – como por exemplo o da Capela do Salvador no Convento do Carmo, por longos anos atribuído a Eusébio de Matos, irmão do poeta Gregório de Matos. Outro teto, o da Igreja de Nossa Senhora da Palma, representa A Glorificação de Santo Agostinho. Em muitas pinturas perspectivistas Rocha teve por ajudante Veríssimo de Souza Freitas, que com o passar do tempo também se tornaria ótimo pintor perspectivista, na senda aberta pelo mestre. Muito embora José Joaquim da Rocha tenha trabalhado até começos do Séc. XIX, seu último trabalho importante foi a pintura da sacristia da Igreja do Pilar, em 1796. Diz a tradição que mais ou menos pela mesma época o já velho artista vendeu uma propriedade e entregou o dinheiro a seu melhor discípulo, José Teófilo de Jesus, para que pudesse ir à Europa estudar. Faleceu em 1807, solteiro e em avançada idade.

José Teófilo de Jesus, que efetivamente estudou em Lisboa entre 1794 e começos de 1801, tendo cursado a Academia de Desenho ou do Nu e entrado em contacto com Pedro Alexandrino de Carvalho, tornou-se a partir de 1816 o pintor mais notável da Bahia, se bem que sua predileção fosse a pintura de cavalete, e não a perspectivista, talvez porque, como escreveu Carlos Ott, fazia-lhe falta o que sobrara a Rocha – “a imaginação arrojada dos pintores italianos, que influenciaram tão favoravelmente o mestre”. Muitos são os quadros atribuídos a Teófilo, sendo de sua autoria os 40 pintados entre 1836-40 para a sacristia e os corredores laterais da Igreja do Bonfim (quando já se abeirava da casa dos 80), além das pinturas executadas na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Cachoeira, e de alguns painéis conservados no Museu de Arte e no Museu de Arte Sacra de Salvador. José Teófilo de Jesus, que formou um único discípulo – Olímpio Pereira da Mata, ainda ativo em 1852 -, morreu em 1847, ao cair de um andaime quando executava trabalhos na Matriz da Divina Pastora, em Sergipe.

Outros discípulos de José Joaquim da Rocha que muito se destacaram, além dos acima citados, foram Antonio Pinto e Antonio Dias, autores da pintura do forro da nave da Matriz do Passo, em Salvador; Manoel José de Souza Coutinho, Mateus Lopes – até bem pouco tempo desconhecido, mas que há quem compare a José Teófilo de Jesus -, José da Costa Andrade, autor de David tocando harpa e vários outros quadros na sacristia da Matriz de Santana em Salvador, João Nunes da Mata e principalmente Antonio Joaquim Franco Velasco, autor da pintura do forro da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, retratista e professor de, entre outros, José Rodrigues Nunes e Bento José Rufino Capinam.

De duas curiosíssimas pinturas baianas, ambas de autoria ignorada, trataremos a seguir. A primeira, de 1743, é o chamado Ex-Voto de Agostinho Pereira da Silva, que descreve, como numa história em quadrinhos a que nem mesmo faltam as legendas – “Cometido de duas medonhas cobras”, “Quiseram-no matar os paulistas”, “Já sacerdote enfermo encostado em uma muleta desenganado que morria de uma grande ferida” etc. -, as desventuras por que passou o dito Agostinho desde que deixou sua cidade de Lamego, em Portugal, para tentar a vida em Minas Gerais, até tornar-se sacerdote, após mil peripécias e uma promessa feita à Senhora dos Remédios. Quanto à segunda obra, sem similar em toda a pintura colonial brasileira, é a Visita dos Governadores à Capela da Graça, de meados do Séc. XVIII, na qual aparecem carruagens, personagens liliputianos defronte à Capela da Graça, Catarina Paraguaçu e Diogo Álvares Correa, indígenas dançando ou portando guirlandas, o mar ao fundo, velas de algumas embarcações e, por sobre todo esse cenário, o céu.

RIO DE JANEIRO

Felizmente dispomos, para o Rio de Janeiro, de razoável número de dados concretos acerca de um notável grupo de artistas a que se convencionou chamar de Escola Fluminense de Pintura, cuja origem remonta ao Séc. XVII, com Frei Ricardo do Pilar, e que continuaria ativa mesmo após a chegada da Missão Artística Francesa em 1816.

Frei Ricardo do Pilar, alemão de Colônia, deve ter chegado ao Rio de Janeiro em meados da década de 1660, e até morrer em 1700, em cheiro de santidade, viveu no Mosteiro de São Bento, onde se encontra toda a sua produção e em cujo Dietário é chamado de insignis pictor. Não são conhecidos os detalhes de sua formação artística, feita provavelmente na Alemanha, e seu biógrafo, Dom Clemente Maria da Silva-Nigra, acredita que possa ter sido chamado a Portugal para decorar algum convento ou igreja, antes de embarcar para o Brasil. Sua obra mais conhecida está na sacristia do Mosteiro de São Bento: é o grande painel representando de corpo inteiro e em tamanho maior que o natural o Senhor dos Martírios, datável dos últimos anos de sua vida e acusando afinidade estilística com algumas pinturas flamengo-portuguesas dos Sécs. XV e XVI, como o Ecce Homo, de autor desconhecido,do Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa, ou o célebre Bom Pastor, de Frei Carlos, no mesmo museu.

Um dos pintores mais importantes ativos na primeira metade do Séc. XVIII no Rio de Janeiro foi o português Caetano da Costa Coelho, que ali trabalhou entre 1706-49. Conforme contrato firmado em 1732 com a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Caetano se comprometeu a dourar “toda a obra de talha que se acha na capela da Ordem, do arco para dentro, como também o pé do Calvário do Senhor que está na tribuna da mesma capela, que se há de fazer, e mais a pintura de todo o teto que há de ser da melhor perspectiva que se assentar, e os oito painéis da mesma capela serão pintados com os santos que se lhe mandar”. Esse trabalho no teto da capela-mor da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, realizado entre 1732-36, foi a primeira pintura perspectivista feita no Brasil, na tradição inaugurada por Andréa Pozzo na Chiesa del Gesù em Roma, seguindo-se-lhe, entre 1737-43, a bem mais importante pintura em perspectiva do teto da nave da mesma igreja, representando São Francisco em glória no céu. 

Mas o verdadeiro continuador de Frei Ricardo do Pilar e chefe da Escola Fluminense de Pintura (no dizer de Porto-alegre) seria José de Oliveira Rosa, pintor de temas religiosos, alegorias e retratos nascido e falecido no Rio de Janeiro. Sua obra talvez mais importante terá sido o grande painel decorativo, já destruído, da sala de audiências do Paço Imperial, representando O Gênio da América; mas subsistem, de sua mão, diversas obras na antiga Igreja dos Carmelitas (A Virgem do Monte Carmelo, no teto da capela-mor, e o Retrato de Madre Jacinta de São José), e o Mosteiro de São Bento conserva algumas pinturas de sua autoria (Santa Bárbara, Visão de São Bernardo), ou a ele atribuídas (as oito Cenas da Vida de São Bento por exemplo). Estilisticamente, Rosa oscilava entre o gosto estático e arcaizante do Séc. XVII e o já mais dinâmico do Séc. XVIII, o que se pode ver nitidamente quando se compara o Retrato de Madre Jacinta à Santa Bárbara e à Visão de São Bernardo da Capela das Relíquias do mosteiro beneditino, sabendo-se que as três pinturas foram executadas no mesmo ano de 1769: enquanto o retrato evoca de imediato a pintura seiscentista, os painéis são já tipicamente barrocos.

De extrema originalidade é a contribuição de Carlos Julião à pintura no Rio de Janeiro. Italiano, tendo ingressado em 1763 no Exército português, ao qual serviu até 1811 quando faleceu, Julião efetuou longas viagens ao Brasil, Índia e China, no decurso das quais fixou numa série de desenhos aquarelados tudo quanto lograra observar, distribuindo-os por três grupos: Notícia Sumária do Gentilismo da Ásia com Dez Riscos Iluminados – Ditos de Figurinhas de Brancos e Negros dos Usos do Rio de Janeiro e Serro do Frio – Ditos de Vasos e Tecidos Peruvianos. É a segunda parte da coletânea que nos interessa de perto – as aquarelas representando tipos e costumes do Rio de Janeiro e de Minas, de uma agilidade de execução e de uma vivacidade cromática que fariam inveja a Debret, Guillobel e outros cronistas visuais de começos do Séc. XIX. Adquiridas pela Biblioteca Nacional, essas 43 aquarelas foram objeto de uma publicação em 1960. Muito recentemente, a Fundação Ricardo Brennand de Recife adquiriu num leilão londrino diversas outras aquarelas de assunto brasileiro, de autoria desse curioso artista.

João Francisco Muzzi, de origem italiana e aluno de José de Oliveira Rosa, foi cenógrafo, primeiro na Casa da Ópera e depois no Teatro de Manuel Luís. Além de desenhos para um Mapa Botânico conservado na Biblioteca Nacional são conhecidas, de sua autoria, duas pinturas, cada qual assinada “Muzzi inventou e delineou”, hoje na Fundação Castro Maya, do Rio de Janeiro, adquiridas em 1940 em Portugal e representando uma o incêndio, e a outra a reconstrução do Recolhimento do Parto, em 1789. Há cópias dessas obras, em dimensão menor e formato oval, devidas possivelmente a Leandro Joaquim. É provável que as pinturas originais tenham sido ofertadas pela Irmandade, agradecida, ao Vice-Rei Dom Luís de Vasconcelos, o qual, antes de as remeter a Lisboa, fê-las reproduzir. As pinturas de Muzzi possuem, além do valor artístico, importância documental, porque revelam detalhes do mobiliário, do vestuário e dos meios de locomoção no Rio de fins do Setecentos, além de, no painel da Reconstrução, estarem representados o vice-rei e Mestre Valentim.

Provável aluno de José de Oliveira Rosa terá sido também João de Souza, autor de pinturas religiosas e retratos, e que Porto-alegre inclui na “classe dos coloristas”. A Santa Casa da Misericórdia guarda vários retratos de benfeitores feitos por João de Souza, autor também do Retrato do General Silva Teles, na Igreja da Candelária, e de vários painéis religiosos da Igreja do Carmo.

Nascido escravo, Manuel da Cunha demonstrou desde a infância vocação para a arte, obtendo depois permissão para estudar pintura, o que fez sob a orientação de João de Souza, aperfeiçoando-se mais tarde em Lisboa. Seriam de Manuel da Cunha, conforme Porto-alegre escreveu em 1841, a pintura do forro da Capela do Senhor dos Passos, vizinha à Capela Imperial, o Retrato do Conde de Bobadela, que pertenceu à Câmara Municipal, e umas poucas pinturas de tema religioso feitas para a Igreja do Castelo e a de São Francisco de Paula. Mas Vieira Fazenda, em 1927, esclareceu que, no que respeita ao Retrato do Conde de Bobadela, a obra até nós chegada é uma cópia da original, destruída em 1790 num incêndio. Como era de praxe em seu tempo, Manuel da Cunha também foi professor do seu ofício, mantendo inclusive em sua residência um curso com duração de sete anos. “Não era um gênio, (dele escreveu Porto-alegre), pois não era culto. Muito produziu por força de vontade e por simples desejo de amor à arte e de consagrado respeito à religião”.

Outro aluno de João de Souza foi Leandro Joaquim, que teria sido, além de pintor, arquiteto – a terrazão Marques dos Santos, que diz ter o mesmo apresentado um projeto para a reconstrução do Recolhimento do Parto. Também não é impossível que tivesse sido cenógrafo no Teatro de Manuel Luís. Além de três pinturas que pertenceram à Igreja do Morro do Castelo e hoje se encontram na Igreja de São Sebastião – Senhora de Belém, São João e São Januário -, do painel de Nossa Senhora da Boa Morte, na igreja de igual nome, e do Retrato de Dom Luís de Vasconcelos, são-lhe atribuídos os seis graciosos painéis ovais que se encontram no Museu Histórico Nacional: Cena Marítima (segundo alguns estudiosos, a chegada ao Rio de Janeiro da frota inglesa a caminho da Austrália), Revista Militar no Largo do Paço, Pesca da Baleia na Baía do Rio de Janeiro, Procissão Marítima no Hospital dos Lázaros,Vista da Igreja da Glória e Vista da Lagoa do Boqueirão e dos Arcos da Carioca, queoriginariamente ornavam um dos pavilhões do Passeio Público. Sejam ou não de LeandroJoaquim, tais pinturas impressionam pela vivacidade do colorido e pela movimentação, e podem ser consideradas das mais antigas representações paisagísticas de nossa pintura colonial.

Manoel Dias de Oliveira estudou pintura no Rio de Janeiro e se aperfeiçoou no Porto a expensas de um comerciante que o patrocinou. Morrendo esse seu benfeitor, seguiu para Lisboa, onde prosseguiu seus estudos, concluindo-os em Roma sob a orientação do célebre Pompeo Battoni, retratista que foi um dos precursores do Neoclacissismo. Conhecido, enquanto esteve na Europa, como o Brasiliense, ao regressar ao Brasil passou a ser chamado o Romano. Foi umdos precursores dos novos métodos de ensino artístico no país, utilizando em suas aulas modelo vivo e proibindo a cópia de estampas em queaté então vinha se baseando o aprendizado colonial. Ao chegar ao Brasil em 1816 a MissãoArtística Francesa, Manoel Dias de Oliveira, que desde 1800 regia a Aula Pública de Desenho e Figura, abandonou a profissão e se recolheu em Campos, onde faleceu por volta de 1837. Bom desenhista, o colorido vivaz de suas pinturas preludia a pintura do novo século que se abria; faltou-lhe porém maior emoção.
Filho de lavrador, nascido na pequena cidade de Itaboraí, José Leandro de Carvalho seria o retratista mais requisitado do Rio de Janeiro em começos do Séc. XIX, “pequeno Velásquez da burguesia portuguesa da Corte de Dom João VI”, como a seu respeito escreveu um estudioso. Fez inúmerosretratos de Dom João VI, de Dom Pedro I e da Princesa Leopoldina, de nobres e ministros, além de ter produzido pinturas religiosas e alegorias.

Francisco Pedro do Amaral foi o último grande vulto da Escola Fluminense, servindo ao mesmo tempo de elo entre a pintura colonial e as novas tendências introduzidas no país pela Missão de 1816. Pintor decorativista e de retratos, cenógrafo e arquiteto, foi aluno de José Leandro de Carvalho e do Brasiliense antes de se tornar em 1820 pensionistada Academia de Belas Artes, e de em 1823 ser um dos cinco alunos de Jean-Baptiste Debret na primeira aula ou classe particular de pintura organizada peloartista francês, ao lado de Simplício de Sá, José de Cristo Moreira, Souza Lobo e José da Silva Arruda. Nomeado chefe de decorações da Casa Imperial, trabalhou no Palácio daQuinta da Boa Vista e no Paço da Cidade, mas suas melhores obras podem ser ainda hoje apreciadas no casarão que pertenceu à Marquesa de Santos, no bairro de São Cristóvão: Abelardo e Heloísa, Fausto e Margarida, Tristão e Isolda e Os Cinco Continentes. Faleceu moço ainda, vítima da tuberculose, após intensa atividade artística, na qual começara como continuador das tendências barrocas ou rococós de seus primeiros mestres para, em seguida, adotar o vocabulário neoclássico e pré-romântico de Debret e dos demais artistas da Missão Francesa de 1816.

MINAS GERAIS

Durante o período colonial e mesmo após a Independência, até bem adentrado o Séc. XIX, Minas Gerais foi palco de importantemovimento pictórico, dotado de características próprias e representado por pinturas arquitetônicas ou de cavalete, religiosas ou profanas, devidas a mais de uma centena de artistas – como criteriosamente os elencou Rodrigo Melo Franco de Andrade -, destacando-se entre todos Manoel da Costa Ataíde, José Soares de Araújo, João Batista de Figueiredo e João Nepomuceno Correa de Castro.

Tal como ocorre com as demais escolas regionais em que se divide a pintura colonial brasileira, ressente-se a mineira de estudos mais abrangentes, que analisem com método e em profundidade as obras e seus autores. Pouco mais conhecida é porém a pintura religiosa executada em forros de igreja, a qual pode ser dividida grosso modo em dois períodos: antes e depois de 1755 aproximadamente.

Até 1755, a pintura arquitetônica mineira repercute as tendências que se desenvolviam nas regiões litorâneas do país. As diferentes cenas religiosas são dispostas isoladamente umas das outras, em caixotões, nos forros ou tetos. Subordinadas embora à arquitetura, não conseguem contudo integrar-se plenamente a ela, oferecendo ao espectador uma visão fragmentada do conjunto. A aparência geral dessas obras anteriores a 1755 é estática, arcaizante: a sugestão de volume inexiste, e a paleta se restringe a umas poucas tonalidades pesadas. Exemplo típico dessa primeira fase da pintura mineira é o forro da nave da Matriz do Pilar, em Ouro Preto.

Tem início a segunda fase com a introdução em Minas da pintura perspectivista, ilusionística ou di sotto in sù, cujo protótipo é a decoração feita pelo padre Andréa Pozzo no teto da Igreja de Santo Inácio, em Roma, em 1694. Adaptada ao gosto lusitano, esse tipo de pintura, praticado no Rio de Janeiro desde 1732, só 20 anos mais tarde seria adotado em Minas. A principal inovação da pintura perspectivista luso-brasileira é a introdução de uma grande cena central – a visão – que interrompe as linhas imaginárias que se dirigem aos diferentes pontos de fuga da estrutura arquitetural, e é tratada como um quadro independente. Curiosamente, essa visão central costumava ser pintada a óleo, enquanto todo o restante da pintura era feita a têmpera.
O primeiro pintor perspectivista que atuou em Minas foi Antonio Rodrigues Belo, autor da pintura ilusionística do forro da capela-mor da Matriz de Cachoeira do Campo (1755). Pouco a pouco, a partir de então, os forros em caixotões serão substituídos pelos de tabuado corrido, mais adequados a receber o novo tipo de decoração pictórica. Num terceiro momento, já em fins do séc. XVIII e começos do seguinte, a pintura perspectivista transborda de seus limites naturais arquitetônicos para, mediante um procedimento puramente ilusório, criar toda uma pseudo-ordem de balcões, pilastras, colunas e entablamentos que se equilibram no espaço fictício.

Mesmo dentro de Minas, seria possível falar-se em três subestilos ou partidos regionais, com características bastante diversificadas entre si. O mais antigo desses partidos originou-se em Diamantina, na obra do português José Soares de Araújo, e foi continuado localmente por seus discípulos. Corresponderia aproximadamente ao barroco litorâneo, e tem seu equivalente na Bahia na obra de um José Joaquim da Rocha, por exemplo. A composição é severamente estruturada, e o colorido, soturno, impõe-se pela dramaticidade. Inteiramente diverso é o partido surgido em torno a Vila Rica, que tem na obra de Ataíde seu ponto mais elevado. Aqui já não existem a dramaticidade e adensidade barrocas tão presentes na obra de Araújo e seus continuadores, tudo se desenvolvendo em formas leves e de gracioso colorido, bem à maneira rococó. Num terceiro partido, surgido para os fins do Séc. XVIII, o pintor simulauma amurada que encima a cimalha, por trás da qual coloca figuras de santos, anjos e doutores da Igreja, postados em púlpitos ou balcões. Observe-se que nas igrejas e nas capelas mais modestas, ocorre um tipo por assim dizer primitivo ou caipira de pintura, externado em técnica rudimentar e num desenho incipiente.

 
É relativamente comum, em Minas, a pintura de chinesices, introduzida em Minas Gerais pelos meados do Setecentos. Tais chinesices alternam-se por vezes a cenas galantes, como as recuperadas há tempos na Igreja de Santa Efigênia, em Ouro Preto. Foi também cultivada a pintura profana, da qual poucos exemplos chegaram a nossos dias – entre eles os que ainda podem admirados na antiga casa do PadreToledo, em Tiradentes, e no atual Colégio São Joaquim, em Conceição do Mato Dentro.

Na impossibilidade de nos determos ante os nomes de todos os pintores que se destacaram em Minas durante o período colonial, fixemo-nos apenas no maior deles – Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), nascido e falecido em Mariana. Militar, “professordas artes de arquitetura e pintura” – conforme documento que lhe passou em 1818 a Câmara de Mariana -, sua obra mais antiga data de 1781: a encarnação de duas imagens de Cristo. Já a parte mais considerável de sua produção, que são as pinturas de forros, foi executada no Séc. XIX, inclusiveaquela que talvez seja a obra-prima não apenas sua, mas de toda a pintura colonial brasileira: o suntuoso forro da nave da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, no qual representou a Assunção de Nossa Senhora, vendo-se a Virgem entre anjos musicantes e, encimando os púlpitos, Santo Agostinho, São Jerônimo, São Gregório e Santo Ambrósio – tudo extravasado numa paleta de suaves tonalidades azuis e rosas. Várias outras pinturas perspectivistas executou Ataíde, entre elas a Coroação da Virgem, na Igreja de Santo Antonio de Itaverava, a Ascenção da Virgem, na capela-mor da Igreja de Santo Antonio em Santa Bárbara, e a Aparição da Virgem a Santo Antônio, na Igreja de Santo Antônio em Ouro Branco. Ataíde também deixou diversas pinturas de cavalete, como a série representando cenas da vida do Patriarca Abraão, na Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, e a renomada Ceia do Senhor, do Colégio do Caraça, uma de suas últimas obras, e a única que assinou e datou: Atahide fes no anno de 1828.

Contemporâneo e colaborador do Aleijadinho, Manoel da Costa Ataíde representa o ponto mais alto e de maior originalidade a que atingiu a pintura colonial brasileira, com suas soluções plásticas em que se fundem elegância e refinamento.

 

PERNAMBUCO

Escrevendo há quase 70 anos na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dizia Joaquim Cardozo, da antiga pintura religiosa pernambucana, que “apesar de não serem trabalhos muito antigos, pois a data de sua execução deve estar situada entre os séculos 17 e 18, pouco ou quase nada se conhece dos seus autores e da época em que eles viveram; excetuando a pintura do teto da Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife, obra de João de Deus Sepúlveda, que na mesma trabalhou entre os anos de 1764-68, e a que está no forro do coro da mesma igreja, de autoria de Luiz Alves Pinto, tudo o mais é desconhecido”. Passadas tantas décadas, força é reconhecer que a situação acima descrita pouco se modificou, o que não deve causar espanto, pois as causas de tanto desconhecimento perduram até hoje: ausência de pesquisadores e dificuldade de acesso a documentos de arquivo.

Como em toda a pintura colonial da América Latina, a pernambucana vincula-se a tendências e estilos europeus, que busca imitar com a compreensível defasagem cronológica, e com recursos técnicos obviamente limitados. Influências flamengas, espanholas e em menor grau italianas, alternam-se ao forte impacto da arte portuguesa para formar um conjunto respeitável de obras anônimas, nas quais vívido senso cromático anima, por vezes, um desenho tosco e improvisado, em meio a uma atmosfera eminentemente popular.

Datam de 1699 a 1702 as pinturas das paredes e do forro da Capela Dourada da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, em Recife, admirável conjunto que parece ter querido emular nos Trópicos, a uma distancia de dois séculos, as maravilhosas pinturas da capela-mor da antiga Igreja da Madre de Deus, em Xabregas, junto a Lisboa, sede atual do Museu Nacional do Azulejo. De autoria por identificar, algumas pelo menos podem ter sido feitas (como propôs José Antonio Gonsalves de Melo) por José Pinhão de Matos, talvez o melhor pintor pernambucano em atividade naquele momento, além de amigo de Antônio Fernandes de Matos, ministro da Ordem e arquiteto responsável pela obra. Desse valioso conjunto de santos e santas destacam-se, pela qualidade e pelo estado de conservação, São Pedro Depodo, São Torrelo, São Francisco e os Cardeais e Santa Joana da Cruz. Quanto aos dois compridos painéis nas paredes laterais da igreja, dedicados aos principais mártires franciscanos, foram feitos em 1707-10.

Curioso conjunto de pinturas encontra-se desde 1729 na Igreja de São Cosme e Damião, em Igaraçu. São quatro grandes painéis, o primeiro dos quais se refere à fundação da cidade, a 27 de setembro de 1530, e explica como deveu seu nome ao espanto dos indígenas ante o tamanho das naves portuguesas (igaraçu significa grande barco em tupi); o segundo revela como a construção da igreja deveu-se à gratidão dos portugueses a São Cosme e São Damião, por terem derrotado em seu dia os índios da região; o terceiro ilustra o milagre ocorrido a 1º. de maio de 1632, quando alguns holandeses que saqueavam a vila decidiram destelhar a igreja, “o que não puderam conseguir, porque dos que subiram acima uns ficaram cegos, e outros mortos”; finalmente, o quarto representa um episódio da peste de 1685, quando Igaraçu foi poupada graças a “especial favor” de seus dois padroeiros. Esse último painel parece-nos especialmente valioso pela quantidade dos personagens e pelo caráter ingênuo, enorme história em quadrinhos bem de acordo com o espírito da época.
Numerosas pinturas anônimas podem ser ainda hoje apreciadas nos conventos e igrejas pernambucanos, como por exemplo na Sé de Olinda (Santa Quitéria, São Estanislau e outras, algumas recuando ao Séc. XVII), no Convento de Santo Antônio em Recife (Alexandre de Hales com seus alunos São Tomás e São Boaventura), na Co-catedral da Madre de Deus (Nossa Senhora Sedes Sapientiae, São Felipe Néri, São João Nepomuceno) etc.
Mas a parte mais elevada da produção pictórica pernambucana do período colonial é constituída pela obra de três pintores de vida e carreira mais conhecida: João de Deus Sepúlveda, José Eloi e Francisco Bezerra -, devendo ainda ser mencionados alguns pintores de menor fôlego, como Manoel de Jesus Pinto, João José Lopes da Silva, Sebastião Canuto da Silva Tavares, Luis Alves Pinto e José Rebelo de Vasconcelos.

De uma família de artistas, João de Deus Sepúlveda é o pintor pernambucano mais importante do Séc. XVIII. Deve ter nascido no primeiro terço do século, era também músico e parece ter seguido a carreira militar, pois é referido às vezes em documentos como “Tenente João de Deus Sepúlveda”. Sua obra mais antiga de que se tem notícia é a série de pinturas sobre a vida de Santa Teresa, na Igreja de Santa Teresa da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo em Recife, objeto de três contratos firmados entre o artista e a irmandade em 1760-61. Poucos anos depois, a 14 de junho de 1764, Sepúlveda firmou novo contrato, agora com a Mesa da Irmandade de São Pedro, para realizar a pintura do enorme forro da Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife, trabalho esse ao qual se dedicou pelos próximos quatro anos, e que tem por tema São Pedro Abençoando o Mundo Católico.

A Sepúlveda é ainda atribuída a pintura do forro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, em Recife, encomendada em 1781 pelo Governador José César de Menezes e representando a Batalha dos Guararapes. Trata-se de obra de qualidade excepcional, sobretudo pela vivacidade da cena evocada, a que não falta o detalhe da intervenção miraculosa da Virgem Maria em favor dos portugueses.

Ativo na segunda metade do Séc. XVIII e ainda em começos do século seguinte, José Eloi contratou em 1785 “um painel de sacristia do Mosteiro de São Bento de Olinda e sua circunstância” – possivelmente o grande painel do forro, com cenas da Vida de São Bento: O jovem Bento deixa a casa paterna, O jovem Bento se dedica com ardor à oração e ao trabalho, O jovem Bento decide-se a abandonar a carreira das ciências pela vida religiosa etc. etc. Nesse, e em outros trabalhos que realizou para os beneditinos de Olinda, sua arte não atingiria a mesma altura da de João de Deus Sepúlveda; mas há, nela, um brasileirismo que o levou a utilizar como suporte materiais regionais, como tiras de couro (Santa Clara de Assis, da Igreja de São Francisco de Marechal Deodoro, em Alagoas, cuja pintura do forro, de 1807, também seria de sua autoria).

Francisco Bezerra foi o autor, em 1785, dos 10 painéis sobre a vida de São Pedro que outrora adornavam o forro da Igreja de São Pedro dos Clérigos, e de há muito desapareceram. Sua arte pode ser porém avaliada pelas oito cenas da vida de São Bento que executou em 1791 para a sacristia da Igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda, e que o revelam pintor dotado de certa habilidade, mas artista discreto.

Por José Roberto Teixeira Leite In http://www.raulmendesilva.pro.br/home01.shtml

terça-feira, 19 de março de 2013

DEPOIS DA SEMANA DE 22: A BUSCA DA IDENTIDADE. (3º ano do Ens. Médio).


A SEMANA DE ARTE MODERNA

A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um momento de ruptura que dividiu a arte brasileira entre academicismo e modernismo. Não foi, porém, uma unanimidade nacional e gerou acirradas controvérsias entre as duas facções artísticas. De um lado, os acadêmicos defendendo sua estética como representativa de estilo que perdurava entre nós desde a chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil, em 1816, com plena aceitação por parte da sociedade da época. Já os modernistas, imbuídos de espírito renovador e revolucionário, lutavam para impor linguagens que se incorporaram à arte mundial desde os impressionistas que, a partir de 1874, mudaram a história da pintura. Seus reflexos, porém, ainda não haviam chegado ao Brasil.
Na verdade, existia um artista, Eliseu Visconti (1866-1944), que além de pintor de grandes méritos, demonstrara afinidades com outras linguagens, como o Art Nouveau que predominou naEuropa de 1890-1910, principalmente no mobiliário e objetos utilitários, através de peças decorativas, na verdade as primeiras criadas por um artista brasileiro a nível industrial. Um pioneiro, portanto, do que mais tarde seria conhecido como Desenho Industrial.
Mas onde Visconti inovou mesmo foi na execução das pinturas do foyer do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1913, que conclui em 1916, sendo considerada uma de suas obras-primas. Anteriormente (1908), o artista já havia pintado o pano- de-boca da mesma casa, tendo comotema A Influência das Artes na Civilização, causando grande controvérsia.
Nas pinturas do teto e das paredes do Theatro Municipal, uma grande realização do então prefeitoPereira Passos, Eliseu Visconti empregou pela primeira vez as pinceladas impressionistas entre nós, pinturas de efeitos diáfanos, de cores suaves, nas quais contou, entre outros colaboradores, com os pintores Marques Jr. e Henrique Cavalleiro. Esse último, posteriormente, viria a se casar com a filha do mestre, Ivone Visconti Cavalleiro, que se revelaria igualmente excelente pintora dentro dos mesmos cânonespreconizados pelos pintores franceses nos meados do século 19.
Ressalte-se ainda que outros pintores brasileiros ligados ao academicismo e à Escola de Belas Artes, como Georgina de Albuquerque, Almeida Jr., Batista da Costa, Belmiro de Almeida (autor da pintura Mulher em Círculos, datada de 1921, com preocupações cubistas) e Marques Junior, entre vários outros, já encaminhavam seus trabalhos para o impressionismo.

O fato, porém, de estarem veiculados à Escola Nacional de Belas Artes, como antigos alunos e professores, talvez seja a razão pela qual não foram sondados para se alinharem aos seus colegas do movimento paulista de 1922 na procura de atualizar a arte brasileira em relação às linguagens que já se espalhavam mundo afora.

*****
Os artistas que participaram do evento modernista que movimentou a capital paulista entre 11 e 16 de fevereiro de 1922, bem que tentaram dar um cunho nacionalista aos seus trabalhos, poucos, no entanto, foram os que responderam ao que se esperava de renovação. A não ser as pinturas da paulistana Anita Malfatti (1889-1964), oscilando entre o expressionismo e o cubismo. A pintora, cujo aprendizado iniciado no Brasil com Pedro Alexandrino, pintor acadêmico, incluía cursos na Alemanha e Estados Unidos com professores como Lovis Corinth e Homer Boss, respectivamente, já antenados com o vocabulário moderno.
Ainda mais porque, em 1913, os Estados Unidos já tinham aderido à pintura contemporânea através da realização do Armory Show, a mega exposição que incluiu obras de Duchamp, Picasso, Picabia, Monet, Cézanne, Archipenko, entre tantos que estavam fazendo a moderna história da pintura.
Por sinal, na exposição de 1922, Anita Malfatti comparecia com as mesmas obras que apresentara anteriormente na sua primeira exposição individual, em 1917, realizada em São Paulo sob o estimulo de Di Cavalcanti, com 53 trabalhos de pintura e gravura, para muitos o estopim da semana modernista.
Sem obter repercussão, ela compartilhava do mesmo desinteresse com que São Paulo recebera, em 1913, a exposição individual de Lasar Segall (1891-1958) no Brasil, um dos criadores do movimento expressionista alemão. Segall, lituano de nascimento, posteriormente voltaria ao Brasil e aqui permaneceria até sua morte.
A mostra de Anita Malfatti só não passou em brancas nuvens devido ao polêmico artigo assinado pelo escritor Monteiro Lobato no jornal O Estado de São Paulo, conhecido como “Paranóia ou Mistificação”. Nele, o criador de Jeca Tatu e um dos mais respeitados escritores nacionais da época, condena as deformações expressionistas da pintora, embora reconhecendo seu talento.
Intelectuais, como Mário de Andrade (1893-1945), cujo ideário nacionalista e incentivador de propostas modernistas em todos os setores da cultura brasileira, por exemplo, aplaudiram as estimulantes inovações da pintora com palavras encorajadoras.
Os demais artistas plásticos convocados a participar da Semana de 22 limitaram-se a mostrar trabalhos sem a inovação que desejavam seus organizadores. Ressalte-se que a identidade nacional preconizada pelos mentores somente aparecia nos trabalhos do pernambucano Vicente do Rego Monteiro, que enveredava por motivos indígenas.
A Semana de Arte Moderna, porém, foi importante foco inicial da discussão em torno da arte no Brasil e seu atraso em relação à arte mundial nos primórdios do século 20. Sem uma tradição, os nossos artistas acadêmicos, quando premiados nos Salões de Arte instituído sob a chancela paternalista do governo imperial na Academia de Belas Artes, viajavam à Europa não em busca de inovações, que nem queriam e nem notavam, porém para aperfeiçoar a técnica, de acordo com a estética do neoclassicismo em voga no país.
Foram os sucessivos movimentos que sucederam ao evento realizado na capital paulista, porém, que abalaram as estruturas de jovens artistas brasileiros. Contando com o apoio de intelectuais, igualmente jovens, eles conseguiram levar adiante as propostas preconizadas por Di Cavalcanti, Mário (1890-1954) e Oswald de Andrade, os mentores da Semana de Arte Moderna. Segundo o poeta Paulo Mendes de Almeida, o movimento 1922 queria abalar as mais díspares criações artísticas do país, desde a música, a literatura, às artes plásticas e foi “um safanão naquele adormecido em berço esplêndido Brasil das Letras, das Artes e do Pensamento”.
Indiscutivelmente, dois manifestos contribuíram para preservar as idéias da semana modernista: Poesia Pau Brasil e Antropofágico, lançados em1924. Oswald de Andrade, paulista de nascimento, que redigiu os manifestos, foi uma das figuras mais controversas e anárquicas do período. Poeta, romancista, crítico, jornalista, escritor, dramaturgo – O Rei da Vela, uma de suas peças é considerada das mais instigantes obras do moderno teatro brasileiro - e, principalmente, agitador no bom no sentido da palavra, já tivera contato na Europa com as transformações que se sucediam no campo das artes e ficara bastante impressionado com as teorias do Futurismo e seus manifestos iconoclastas divulgados a partirde 1909, exaltando a velocidade e os motores como símbolos da arte do nosso tempo, enquanto repudiavam os museus, as bibliotecas e as estatuárias greco-romanas como anacrônicas em relação ao automóvel e ao avião.
À frente do futurismo estava o poeta italiano Filipo Tommaso Marinetti que viajou pelo mundo para divulgar suas idéias, tendo estado inclusive no Brasil, no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1926, com certa repercussão nos meios intelectuais. Tanto que por muitos anos futurismo passou a designar no Brasil qualquer manifestação de arte moderna.
Portanto, não é por acaso que os reflexos da Semana de Arte Moderna tenham provocado Oswald de Andrade a buscar novas motivações que não fossem apenas polêmicas mas, sobretudo, que despertassem no artista brasileiro um passo avançado dentro da própria realidade nacional que o cercava.
Nesse particular, a presença da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) foi decisiva.
O primeiro dos manifestos divulgados por Oswald de Andrade, publicado pelo jornal carioca Correio da Manhã, em 18 de março de 1924, propunha uma arte nascida no Brasil e capaz de apreender e expressar as novas realidades urbanas e industriais da cidade, acentuando ainda que Pau Brasil era contrário à cópia, “pela invenção e pela surpresa”.
É bom assinalar que Tarsila não estava em São Paulo quando da realização da semana modernista; dela tomara conhecimento através de correspondência com Anita Malfatti. Mesmo longe do Brasil, a reação de Tarsila não podia ser outra, a não ser de apoio incondicional a esse movimento.
De regresso ao país em 1922, uniu-se a Oswald de Andrade, resultando da união a divulgação do Manifesto Pau-Brasil (1923) que, na verdade, apoiava-se exclusivamente na sua pintura, caracterizada pela busca de motivos brasileiros, neles incluídos a cor caipira e o rigor formal geométrico-cubista. Em Paris, onde passara temporada estudando e expondo, Tarsila tivera como mestres André Lhote, Fernand Léger e Albert Gleizes, três expoentes de novas linguagens na pintura, quando a capital francesa, nosprimeiros anos do século 20, borbulhava de idéias estéticas que tantas influências tiveram na história da pintura.
Pinturas como A Negra, A Cuca, Morro da Favela e Carnaval em Madureira, serviam ao conteúdo do manifesto, que se consolidaria com a viagem de Tarsila a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro. Em companhia de Oswald e Mário de Andrade, que nem sequer eram parentes, embora com o mesmo sobrenome, do poeta francês então no Brasil, Blaise Cendrars, Olívia Guedes Penteado,Godofredo da Silva Teles e René Thiollier ela não somente se encantaria com a paisagem e o trabalho de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814), cuja valiosa obra barroca estava à espera de uma descoberta a nível nacional, como reformularia toda a sua pintura com o que ela denominava cores caipiras: os inusitados tons, como o rosa, principalmente, das fachadas das casas interioranas mineiras. Como ela própria confessava “...encontrei em Minasas cores que adorava em criança. Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado. Mas depois vinguei-me da opressão, passando–as para as minhas telas...”
O segundo manifesto, denominado Antropofagia, veio a lume em 1928, no mesmo ano que Tarsila do Amaral presenteia Oswald de Andrade, com quem se casara, com a tela O Abaporu, que na linguagem indígena significa antropófago.
Mais uma vez, a pintura da artista paulista, entre 1928-1929, seria o cerne do manifesto. Obras como O Sapo, Urutu, Sol Poente, mostravam Tarsila tendendo ao gigantismo, às deformações, com o lirismo de cores oscilando entre o fantástico e o onírico nas composições.
O Manifesto Antropofágico seria publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, dirigida pelos escritores Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp, ambos de tendência modernista. Ressalte-se que Bopp era o autor do célebre poema Cobra Norato, um dos marcos da nova poesia brasileira.
Entre outras coisas, o Manifesto proclamava: - Só o antropofagismo nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente; Tupy or not tupy, that the question; Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago; Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o carnaval; O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pilt, ou figurando nas óperas de Alencar cheios de bons sentimentos portugueses.
O manifesto era datado de Piratininga, Ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha. Uma alusão em tom gozativo ao célebre episódio da história do Brasil sobre a captura e morte do 1º Bispo do Brasil, trucidado pelos indígenas na costa brasileira.

DI CAVALCANTI, PORTINARI, ISMAEL NERY

Três pintores deram valiosa contribuição à consolidação dos ideais modernistas no Brasil. São eles: Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976), Cândido Portinari (1903-62) e, isoladamente, Ismael Nery (1900-1934).
Grande incentivador da renovação da arte brasileira, Emiliano Di Cavalcanti, ideólogo da Semana de Arte Moderna de 1922, um ano após a sua realização, viajou para Paris em busca de novos horizontes. Na capital francesa, entre a pintura e o estudo (na Academia Ranson), freqüentou os ciclos boêmios e intelectuais locais integrados por músicos, poetas e artistas plásticos.
Um deles, Pablo Picasso, teria grande influência na obra futura de Di Cavalcanti, por ele mesmo confessada.
Em 1924, o pintor nascido no Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão, regressa ao Brasil para iniciar uma das mais fundamentais obras da arte brasileira de todos os tempos. Principalmente porque unia os conhecimentos técnicos absorvidos durante a estada parisiense e em visita aos grandes museus, conseqüentemente, em contato com os mestres da pintura, a uma noção de brasilidade rara num artista nacional da época.

“Di Cavalcanti conquistou uma posição única em nossa pintura contemporânea. Em nossa pintura brasileira”, disse dele Mário de Andrade “sem se prender a nenhuma tese nacionalista, é sempre o mais exato pintor. As coisas nacionais. Não confundiu o Brasil com paisagens: e em vez do Pão de Açúcar nos dá samba, em vez de coqueiros, mulatas, pretos e carnavais. Analista do Rio de Janeiro noturno, satirizador odioso e pragmatista das nossas taras sociais, amoroso e contador das nossas festinhas, mulatista-mor da pintura, este é o Di Cavalcanti de agora, mais permanente e completado”.
A observação de Mário de Andrade é exata. Nenhum outro pintor brasileiro chegou tão perto da nossa alma popular. A figura da mulata é símbolo da malemolência da nossa nacionalidade interpretada por um artista que amava viver em todos os sentidos. Sua obra abrange outros motivos, ao mesmo tempo brasileiros e cariocas, como o carnaval, os sambistas, as mulheres das noites da Lapa (famoso bairro boêmio carioca que inspirou inúmeros compositores), impregnadas de sensualidade. Como ele próprio afirmava “a nossa arte tem de ser como a nossa comida, o nosso ar, o nosso mar. Tem de ser reveladora de nossa cultura, pois a boa arte é sempre cultural, e sua dimensão própria é a de antecipar um momento cultural”.
Di Cavalcanti também foi um dos primeiros artistas nacionais a encarar o desafio do mural. Nesse particular foi influenciado pelos pintores mexicanos. Enquanto esses pintavam em função da Revolução Social Mexicana, que exaltavam social e politicamente, em grandes dimensões, Di Cavalcanti, ao contrário, derramava-se em brasilidade em temas que enfocavam, desde os nossos episódios históricos mais conhecidos, como A Chegada de D. João VI ao Brasil, às sensuais paisagens em que transmitia amor e admiração ao nosso povo e nossa gente. Mais Brasil, impossível.
Em campo oposto, o paulista nascido em Brodósqui, Cândido Portinari, é pintor respeitado e admirado nacional e internacionalmente.
Para isso muito contribuiu a força do seu desenho que, aliada à pintura e temas que são, na realidade, retrato sem retoque do homem brasileiro, Portinari com a dramaticidade de suas vigorosas figuras, obteve reconhecimento e acolhida calorosa interna e externamente que nenhum outro pintor brasileiro teve até à atualidade.
Nascido de pais italianos, menino pobre, logo se destacou pelo desembaraço com que encarava a arte, a ponto de ainda adolescente tornar-se auxiliar de um grupo de pintores de sua cidade, incumbido de decorar a Matriz de Brodósqui.
O passo seguinte de Portinari foi transferir-se para o Rio de Janeiro, então capital do país, em 1918, para freqüentar a Escola de Belas Artes, tendo sido seus professores Lucílio de Albuquerque, Rodolfo Amoedo e Batista da Costa. A partir de 1922, começou a participar do Salão Nacional de Belas Artes conquistando sucessivamente Medalha de Bronze (1923), Medalha de Prata (1925) e Grande Medalha de Prata (1927) merecendo, inclusive, fartos elogios do crítico e professor de história da arte, Flexa Ribeiro. No período, o retrato era o seu gênero preferido, com boa técnica, mas ainda com certo resquício acadêmico.
Com o Retrato de Olegário Mariano, poeta muito popular, obteve, em 1928, o cobiçado Prêmio de Viagem ao Exterior que o possibilitaria permanecer dois anos na Europa, durante os quais quase nada produz. Fascinado pelos grandes nomes da pintura, passa a maior parte do tempo indo a museus observando, anotando e, sobretudo, detendo-se na obra daqueles que mais admirava e com os quais sentia afinidades.
Antes da estada européia, Portinari tendia à linguagem acadêmica, mas retorna ao Brasil com a pintura totalmente reformulada. A influência dos grandes pintores mexicanos, Siqueiros, Rivera e Orozco, cuja obra mural repercutia mundo afora pela força da figura e da mensagem sócio política a serviço da Revolução Mexicana,provocou impacto na sua criação plástica. Sua primeira pintura mural data de 1936 para o Monumento Rodoviário, na antiga estrada Rio-São Paulo.
Convocado pelos arquitetos modernistas, à frente Lúcio Costa, Portinari pinta vários murais para o edifício do Ministério da Educação, que era um projeto ousado, inspirado nas idéias do francês Le Corbusier e marco da arquitetura moderna no Brasil. Em 1939, aceita convite do governo estadonovista encabeçado por Getúlio Vargas, através do seu Ministro da Educação, Gustavo Capanema, para realizar pinturas murais no Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova Iorque.
O homem brasileiro, suas agruras, notadamente no trabalho, inspira ao artista uma série de telas captando-o principalmente no labor. Como observa o crítico José Roberto Teixeira Leite, os quadros “executados entre 1932 e 1939, formam a série marrom de Portinari. São obras de ambiências brodosquianas, visões de favelas e morros do Rio de Janeiro e composições com trabalhadores do campo, marcadas por um sentimento de calma monumentalidade que preludia o futuro muralista”.
Uma de suas mais conhecidas tela do período, Café, de 1935, conquista, nos Estados Unidos, menção honrosa em mostra de arte moderna promovida pelo Instituto Carnegie de Pittisburgh. A obra, hoje, faz parte do acervo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
A premiação abre-lhe as portas do país norte-americano, onde expôs individualmente várias vezes, inclusive a convite do governo para pintar murais na Biblioteca do Congresso, em Washington. Portinari firma seu nome nacional e internacionalmente e expõe em paises europeus e sul-americanos com enorme recepção da crítica. Na Bienal do México, em 1958, conquista o Prêmio Ciudad de México.
O conjunto de telas enfocando os retirantes nordestinos, cujo drama comovia o pintor desde quando ainda morava em Brodósqui, o inspira a realizar uma das mais contundentes series da pintura brasileira, ao mesmo tempo pintura na mais alta acepção e denúncia social das mais vigorosas já executadas por um pintor nacional.

*****
Como Portinari, o paraense Ismael Nery não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Considerado pelo crítico Antônio Bento, seu amigo, como “o pintor maldito da fase inicial do nosso modernismo”, Nery teve formação acadêmica no Rio de Janeiro - para onde se transferiu com a família quando contava com apenas dois anos de idade - na Escola Nacional de Belas Artes, que abandonou por causa da orientação acadêmica da Instituição. Durante sua primeira estada na França estudou na Academia Julian, em Paris, e conviveu com alguns teóricos de novas tendências artísticas, como o pintor Chagall e o teórico André Breton.
Místico, filósofo e poeta, Ismael Ney teve vida artística breve, como a sua própria existência. Suas pinturas e desenhos, com resquícios expressionistas, cubistas e surrealistas, o apontam como um artista brasileiro da época a estar conectado com os estilos em voga na Europa, principalmente depois de sua segunda viagem àquele continente, em 1927. O que queria dizer muito, porquanto a maioria não demonstrava nenhum interesse pelas sucessivas transformações pelas quais passava a arte, mormente numa cidade como Paris nos primeiros anos doséculo 20, aberta aos mais radicais ísmos que surgiam de maneira sucessivas nas artes visuais.
Assim, quando de regresso ao Brasil depois de sua segunda viagem a França, Ismael Nery introduz o surrealismo entre nós, sendo, portanto, pioneiro desse estilo onírico que fez a fama de pintores como De Chirico, Chagal, Salvador Dali e Max Ernest.
Pouco compreendida na sua época, inclusive por críticos e estetas, a pintura de Nery não teve a divulgação que merecia. Em vida, ele fez mostras individuais, em Belém e no Rio de Janeiro (1929). No ano seguinte expôs desenhos e guaches na Studio Nicolas, de conhecido fotografo carioca. Em todas elas com parcos resultados comerciais.
Primeiro pintor realmente voltado para o surreal no Brasil, Ismael Nery, era um figurativo nato, auto-retratava-se continuamente, unido seu perfil ao de sua mulher, a poetisa Adalgisa Nery, em pinturas carregadas de mistério e lirismo, o que o torna um dos nossos pintores mais originais.
Suas inquietações existenciais, porém, o levavam com freqüência à poesia e à filosofia em detrimento da pintura. Com o amigo e poeta Murilo Mendes criou as bases de uma doutrina filosófica, o Essencialismo, de fundamentos católicos.
Ismael Nery morreu com apenas 33 anos. Vida curta para quem a arte representava a sua própria essência. Muitos anos depois, a partir da década de 70, sua obra começou a ser estudada e avaliada pela crítica de arte e pelo público, que reconheceram o seu talento e valor como um dos mais importantes artistas da fase pós-moderna.

1930. INOVAÇÕES

Em 1930, o então ministro Gustavo Capanema, da Educação, nomeou o arquiteto Lúcio Costa, um dos responsáveis pela introdução da arquitetura moderna no Brasil, para a direção da Escola Nacional de Belas Artes.
Com o objetivo de renovar o currículo da vetusta Escola, mormente no que dizia respeito à Engenharia a fim de adequá-la à modernidade, uma de suas primeiras iniciativas foi contratar professores e arquitetos afinados com as novas tendências, como Leo Putz e Warchavchik, o último autor da primeira casa modernista do país, em 1927, em São Paulo, que causou celeuma nos meios intelectuais paulistas.
Lúcio Costa, que anos depois seria o autor do Plano Urbanístico da nova capital, Brasília, nos anos 50, levou suas inovações também ao Salão Nacional de Belas Artes, então conhecido como Exposição Geral de Belas Artes, certame existente desde os tempos imperiais e que tinha como sede o Rio de Janeiro, na época Distrito Federal, por ser a capital do país. Para começar, aboliu a premiação e convocou o poeta Manuel Bandeira, modernista e um dosparticipantes da Semana de 22, para presidi-lo, o qualdecidiu aceitar todos os inscritos sem seleção prévia, a maioria dos quais já voltados para o modernismo. Era a primeira vez que um fato dessa natureza acontecia no viciado Salão Nacional de Belas Artes.
Assim, pintores do Rio e de São Paulo, que antes não tinham chance no evento oficial - Tarsila do Amaral, Gomide, Ismael Nery, Flávio de Carvalho, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Portinari, Aldo Bonadei, Guignard, John Graz, Waldemar da Costa,Cícero Dias, Cardosinho, Lasar Segall, Vittorio Gobbis, dentre outros - participaram pela primeira vez do certame.
Como não podia deixar de ser, a gestão renovadora de Lúcio Costa mexeu com os brios acadêmicos. Professores, pintores e alunos do ensino tradicionalista, iniciaram forte oposição, inclusive convocando greve geral, o que culminou com o pedido de demissão do novo diretor.
Também conhecido como Salão Revolucionário pela ousadia e a confirmação dos valores modernistas em plena evolução, o evento e sua repercussão, segundo Rodrigo de Melo Franco de Andrade, “no computo geral, foi superior à Semana de Arte Moderna de 1922 no que diz respeito à consolidação do modernismo no Brasil”.

CONSOLIDAÇÃO DO MODERNISMO NO BRASIL

A semente moderna, pois, estava lançada. Embora não fosse unanimidade nacional, uma vez que suas principais metas foram boicotadas pelos acadêmicos, as idéias, contudo, demoraram a atingir as diversas regiões do país, embora houvesse uma consciência de mudança nos rumos das nossas artes plásticas e literatura. E isso motivava os jovens das províncias estaduais rumo às tendências estéticas que assolavam o Brasil.
No âmbito do Rio de Janeiro, artistas de uma segunda geração de modernistas, Orlando Teruz, Santa Rosa, Eugênio de Proença Sigaud e, principalmente, Alberto da Veiga Guignard, lutavam para impor novos conceitosestéticos à pintura.
Nascido na cidade fluminense de Nova Friburgo, Guignard teve educação artística esmerada, inclusive na Europa, naAcademia Real de Belas Artes de Munique, Alemanha.
Ao regressar definitivamente ao Brasil, em 1929, redescobre sua terra, “tomado de uma ternura e de uma admiração comovidas queconservou até seus últimos dias” - no dizer de Rodrigo de Mello Franco de Andrade. “O que contemplava e apreendia eram os aspectos empolgantes ou comovedores da terra em que tinhanascido, os traços expressivos de sua população, o pitoresco dascidades grandes e pequenas, as peculiaridades da vegetação, dos acidentes naturais, ocolorido das flores.”
No final dos anos 40 Guignard transferiu-se para Minas Gerais, fundou a primeira escola de arte de BeloHorizonte e, fascinado pelas paisagens de Ouro Preto,Sabará e Mariana, com suas montanhas e igrejasbarrocas, fez delas o motivo central de sua pintura.
Enos estados, os reflexos da Semana de ArteModerna,lentamente, vão envolvendo os artistas.
Em São Paulo, forma-se, em 1935, o Grupo Santa Helena, iniciado a partir do atelier do pintorFrancisco Rebolo Gonzáles, na sala 213 do Edifício Santa Helena, na Praça da Sé da capital paulista.Formavam ogrupo ospintores Mário Zanini, Clóvis Graciano,Manoel Martins, Fulvio Penacchi, Aldo Bonadei, Humberto Rosa, Alfredo Rizzoti. “Todospintando com idéias novas nacabeça,querendo fugir ao mau gosto e às deformações reinantes na arte e com uma vontade definitiva: estudar eaprender pintura”, como confessaria anos depois opróprio Rebolo.
No mesmo edifício, Alfredo Volpi desenha modelo vivo e passa a conviver com seus integrantes, aindadistante da linha, forma e cor que definiriam suapintura, posteriormente, voltada para as bandeirinhasfestivas e as fachadas de casas interioranas que sealternam e se multiplicam no espaço da tela. Tudotão plasticamente Brasil.
No Ceará, cria-se em 1941 o Centro Cultural de Belas Artes e nele desponta o pintor Antônio Bandeira (1922-1967), que de uma fase inicial de marinhas e paisagens, acolheria oabstracionismo após radicar-se em Paris.
Dois anos após, no Salão de Abril, surgem nomes como Aldemir Martins e Inimá de Paula, pintor mineiroentão radicado em Fortaleza.
Anos depois, em 1965, Aldemir Martins, conquistaria premiações consagradoras como desenhista de temasnordestinos naBienal Internacional de São Paulo (1955) e na Bienal de Veneza (1956), além de Viagem aoEstrangeiro no Salão Nacional de Arte Moderna(1959).
Em Pernambuco, juntam-se às expressivas contribuições de Cícero Dias e Lula Cardoso Ayres, as instalações da Sociedade Moderna do Recife, em 1950. Com elas, a revelação de artistas de grande garra criativa,como Reynaldo Fonseca e Francisco Brennand.
Na Bahia, artistas atuantes em Salvador, liderados pelo pintor Carlos Bastos, o tapeceiro Genaro de Carvalho e oescultor MárioCravo Júnior, iniciam a partir de 1944 a ofensiva modernista baiana que contaria depois (1949) com o apoio de Lygia Sampaio, RubemValentim, Carybé e JennerAugusto.
Esse último, sergipano de nascimento, deixara no mesmo anouma pintura decorativa no Bar Cacique, em Aracaju, marcandohistoricamente o modernismo em Sergipe.
No Rio Grande do Norte, em 1951, três artistas, Dorian Gray Caldas, Newton Navarro e Ivan Rodrigues promovem a primeiramostra moderna no Estado nos salões da CruzVermelha, em Natal.
No Maranhão, o Núcleo Eliseu Visconti, fundado em 1959 em São Luís, reunia artistas e intelectuais como Ferreira Gullar, LuciTeixeira, Floriano Teixeira, J. Figueiredo, LagoBurnett, Bandeira Tribuzi com o intuito de renovar as artes na capital maranhense.
No Paraná, em 1940, à frente o gravador Poty Lazzarotto, esboça-se a renovação da arte que culmina com a criação, emCuritiba,1948, da Escola de Música e Belas Artes e a conseqüente revelação de, dentre outros, o pintor Lóio Pérsio.
No Rio Grande do Sul, a fundação, em 1938, da Associação Rio-Grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, em PortoAlegre, desponta o talento pictórico deCarlos Scliar.
Em Minas Gerais, em 1944, sob os auspícios da Prefeitura de Belo Horizonte e graças ao espírito empreendedor de Juscelino Kubistechek, então prefeito, realiza-se a primeira apresentação da arte moderna no Estado, ao meio de grandes controvérsias, intensificandoa presença deGuignard na cidade ea implantação oficial da arquitetura ousada de Oscar Niemeyer. Surgem os nomes dos pintores mineiros Mário Silésio e MariaHelena Andrés.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, funda-se o Núcleo Bernardelli, presidido pelo pintor Edson Motta, em 1931, com o objetivo de imbuir os integrantes ao modernismo, já que o ambiente artístico carioca continuavaestritamente ligado à Escola Nacional deBelas Artes, apesar dasnovas linguagens apresentadas no Salão de 1931.
Isso estava claramente explícito nas declarações de Edson Motta anos depois, segundo as quais os fundadores do Núcleo Bernardelli queriam “liberdade de pesquisa e uma reformulação do ensino artístico na Escola Nacional de Belas Artes e no Rio de Janeiro. A Escola constituía um reduto de professores reacionários, infensos às conquistas trazidas pelos modernos. Queríamos a renovação do ensino das artes plásticas”.
Além de Edson Motta, pintores e professores de renome exerceram a presidência do Núcleo Bernardelli, como Manoel Santiago e Quirino Campofiorito. Invés dos espaços limitados das salas de aula, os alunos pintavam ao ar livre, em praças e recantos cariocas, participavam de conferências, debates e salões de arte promovidos pela própria entidade.
Passaram pelo Núcleo, cujo nomehomenageava os artistas e professores Rodolpho eHenrique Bernardelli, que anos antes haviam manifestado publicamente repúdio à estagnação da arte e do ensino tradicional no Rio de Janeiro, Pancetti, Milton DaCosta, Joaquim Tenreiro, Roberto Burle Marx, Bustamante Sá, João José Rescalla, Rui Campelo, Takaoka, Cândida Cerqueira, Ado Malagoli dentre outros que fizeram a transformação da arte no âmbito carioca.
O Núcleo Bernardelli, que teve esse pioneirismo de proporcionar ao artista um contato de livre expressão com a natureza, manteve-se ativo até 1939, quando então seus discípulos se dispersaram, muitos deles já participando ativamente de salões de arte oficiais e particulares obtendo significativas premiações. Conseqüentemente, firmando-se na arte brasileira.

MUSEUS DE ARTE MODERNA. A BIENAL DE SÃO PAULO

Importante acontecimento para consolidar o modernismo no Brasil seria a fundação, nos anos de 40, do Museu de Arte de São Paulo (1947), iniciativa do jornalista Assis Chateaubriand, do Museu de Arte Moderna de São Paulo (1948) e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1949).
Museus que na verdade não eram apenas repositórios de telas, esculturas, desenhos e gravuras, mas onde se podia debater, aprender e, obviamente, ver arte, como um centro integrado de cultura, dentro dos conceitos museológicos que se iniciavam no Brasil. Principalmente procurava-se definir o que era arte brasileira e a sua identificação com a cultura do país.
Mas se o Brasil já estava sob a égide do modernismo, faltava a sua integração às linguagens contemporâneas, desenvolvidas principalmente após a Segunda Guerra Mundial, que praticamente arrasou capitais intelectualmente irradiadoras de arte, como Berlim e Paris.
A I Bienal Internacional de São Paulo, inaugurada em 1951, veio suprir a lacuna, reunindo na capital paulista pintores, desenhistas e escultores contemporâneos, ao mesmo tempo que proporcionava ao artista brasileiro visão abrangente das linguagens recentes então em voga em centros culturais do “primeiro mundo”, como Londres, Tóquio e Nova Iorque.
Considerada uma das mais importantes bienais do mundo, ao lado da Bienal de Veneza (criada em 1895), o certame brasileiro nasceu sob os auspícios do industrial e mecenas Ciccillo Matarazzo como desdobramento das atividades do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Na sua primeira versão, na Bienal Internacional de São Paulo figuravam nomes da mais alta significação da arte - Picasso, Fernand Léger, George Rouault, Feininger, Alexandre Calder, Tolby, Lipchitz, Carlo Carra, Magnelli, Ben Nicholson, Campigli, Morandi, Suherland e Marc Rothko.
A representação brasileira contava com Maria Martins, Emiliano Di Cavalcanti, Bruno Giorgi, Cândido Portinari, Lívio Abramo, Lasar Segall, Vitor Brecheret e Oswaldo Goeldi, todos, com exceção da escultora Maria Martins, figurativos na mais alta acepção. Aos veteranos juntaram-se jovens e promissores artistas, tais quais Ivan Serpa, Abraham Palatnik (com objeto cinético, ou seja, arte em movimento), Geraldo de Barros e o naif Heitor dos Prazeres. O Prêmio de Melhor Pintor Brasileiro ficou com Danilo Di Prete.

ABSTRACIONISMO

Abria-se o Brasil ao abstracionismo formal e informal, afastando a pintura cada vez mais da realidade.
A escultura Unidade Tripartida, do suíço Max Bill, laureada na I Bienal Internacional de São Paulo, instigou os brasileiros, que pela primeira vez entravam em contato o concretismo, ao rigor formal e a uma tendência em que “a pintura basta-se a si mesma, com elementos puramente plásticos”, cuja influência ramificou-se por boa parcela deles. O movimento concreto nacional aliava a poesia à arte e ao design.
Como queriam os artistas e poetas paulistas Waldemar Cordeiro, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand, Sacilotto, Mauricio Nogueira Lima, Lothar Charoux, Alexandre Wolner e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, o movimento realizou mostras em São Paulo e no Rio de Janeiro agrupando artistas das duas capitais.
Os cariocas, porém, logo romperam com os paulistas e lançaram o Manifesto Neoconcreto em 1959, no qual figuravam, liderados pelo poeta Ferreira Gullar, Amílcar de Castro, Lygia Pape, FranzWeissmann, Ivan Serpa, Theon Spanudis, Reynaldo Jardim. A lista seria acrescida com a adesão de Hércules Barsotti, Osmar Dillon e Willys de Castro.
O Neoconcretismo, dizia o manifesto, “indica uma tomada de posição em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista”.
O Concretismo e o Neoconcretismo preparavam o Brasil para as próximas investidas em arte, agora bem fundamentadas para enfrentar os novíssimos desafios que despontariam no final do século 20 e início do seguinte.

Por Geraldo Edson de Andrade In http://www.raulmendesilva.pro.br/home01.shtml