Um artista fascinado pela forma
Ele admira a beleza nas muitas formas em que se manifesta. "A favela que é uma aberração, uma coisa dramática, em termos plásticos é linda. As marinas brasileiras também. Dizia Portinari: 'Prefiro as palmeiras do Brasil do que as catedrais da Europa' porque são lindas e não é fácil de desenhar, não", completa.
Sobre como vê a pintura nos dias atuais, Dorian acredita que haja uma artificialidade por parte dos artistas no ato de criar novidades. "Existe um exagero na inovação das artes plásticas. Eles dizem que tudo são artes plásticas. Eu estou totalmente superado porque o meu suporte é a tinta e ainda a semelhança com o figurativo".
"Na criação você pode deformar, modificar, ficar atento à estrutura que está pintando ou viajar e fazer uma completamente diferente do real. A criação lhe dá liberdade de sonhar dentro do seu próprio universo".
Escultor incompreendido
"Fiz poucas esculturas", fala com alguma tristeza. Nos anos 60, resolveu começar a esculpir em cimento patinado. Fez a Praça das Mães, onde inovou com a forma antropomórfica gorda de uma mãe segurando seu filho.
"A minha cidade, Natal, não estava preparada para receber aquela forma opulenta. Eu não fui o primeiro, mas fui um dos precursores da forma gorda". Muita gente não gostou da obra, à época. O trabalho foi danificado e levado para um depósito da Prefeitura, onde se destruiu.
"Foi um presente que eu fiz à cidade. Ninguém me pagou pela escultura e eu passei seis meses trabalhando nela embaixo de um cajueiro. Fiz com todo carinho, com todo amor e fiquei triste. Luís da Câmara Cascudo me fez um elogio muito grande. Ele chamava de mater poter, mãe potência, e isso me conforta muito".
Depois desse episódio, Dorian nunca mais se reconciliou com a arte de moldar a forma humana. Há cerca de quatro anos retomou as esculturas, mas desta vez fazendo objetos abstratos. "Assim ninguém reclama", como ele mesmo brinca.
Segundo o artista, a escultura gorda que foi repudiada pelos natalenses, dez anos mais tarde apareceu com o colombiano Fernando Botero. "Ele fez a forma de-cla-ra-da-men-te gorda. Fez piadas com a Gioconda de Leonardo da Vinci muito deformada", contextualiza. Essa tendência se espalhou por todo o mundo. No Brasil, Dorian cita Bruno Jorge e outros que conquistaram o espaço de praças públicas com suas esculturas gordas.
Tapeçaria
Como não bastasse fazer pintura abstrata em uma época em que a maioria da 'modernidade' era clássica e chocar uma cidade inteira com uma escultura, Dorian, ao se interessar pela tapeçaria, inventou um ponto.
O baiano Genaro de Carvalho foi quem indiretamente fez com que Dorian Gray se encantasse pelos tapetes. Depois de ver uma exposição do artista, disse à sua mãe que quando voltasse para casa faria tapetes e que ela o ajudaria.
Com anos de pintura, aprendeu a dar os primeiros pontos. "Minha mãe me ensinou o ponto arraiolos, muito usado por Genaro e por tapeceiros da França e de Portugal, mas eu não gostei", surpreende.
"O arraiolos é um ponto de cruz; ele avança fazendo uma ponta. Ele não dá uma curva, fica sempre agudo", explica. "Eu, como pintor, não admitia fazer uma lua que ficasse cheia de pontinhos. Eu criei o ponto falso-brasileiro que era do jeito que eu queria", comemora.
Assessor da Fundação José Augusto, começou com a encomenda de dois tapetes com bichos decorativos. "O que eu ganhei nesses dois tapetes era o que eu não ganhava em dois anos como funcionário público. Resolvi me afastar da repartição e me dedicar à tapeçaria.
Eu vi a oportunidade se abrir pra mim", conta. "Deixei de fazer. Hoje ela não tem mercado", simplifica o fim de um longo trabalho. Dorian fez de 2 mil a 3 mil peças de tapeçaria. Seus trabalhos estão espalhados por todo mundo. Dentre os países contemplados estão França, Estados Unidos, Canadá e Argentina.
Gravuras
"Deixei de fazer tapeçaria porque hoje não tem mais mercado"
Gravura é toda a arte feita a partir de uma matriz preparada artesanalmente. Pode ser em metal, pedra (litografia), madeira (xilogravura), borracha (linóleo) e tecido (serigrafia, que também se aplica em outros materiais). Dorian experimentou vários tipos.
"Eu fiz um pouco em metal, mas eu sempre preferi a gravura em madeira. Também fiz um pouco da gravura impressa, até com pedra eu trabalhei", enumera. Em um de seus 37 livros publicados, "Geografia do Medo", Dorian Gray intercala gravura e texto fazendo com que os dois dialoguem entre si.
Com a certeza de suas preferências, fundamenta tudo aquilo por que não tem simpatia. "A serigrafia é uma gravura feita até mesmo por outra pessoa que não seja o artista, reproduzida por um técnico. É válido, mas não tem tanto valor", reconhece.
Com a vida dedicada às artes, Dorian Gray Caldas chegou à conclusão de que é difícil conseguir notoriedade como artista. "Quando chegou o Impressionismo, os artistas ou tinham um protetor, ou morriam de fome, ou em situações extremas, como os casos de Van Gogh, Monet, Cézanne". "Hoje há uma sobrevida na arte.
Afinal, o homem sobrevive mesmo de qualquer maneira", lamenta. Mas apesar das adversidades, o artista tem prazer naquilo que faz de melhor e se orgulha por ser vocacionado. "Nunca procurei fazer nenhum curso de artes. Acho que isso é o melhor".
O homem calmo e falante é todo "autonomia". Diz não acreditar em dogmas e talvez por isto, tenha inovado em muito daquilo que fez artisticamente. Para Dorian não há pré-requisitos para a expressão do que se sente, ou se vê por meio da arte.
"Qualquer pessoa que seja instigada a desenhar sob tema livre se deleita e é capaz de passar horas ali", gesticula o movimento do lápis. A racionalização talvez se destine apenas à combinação de cores. E nessa incessante e fértil criação, Dorian Gray continua assinando seu nome em telas e livros.
*Matéria publicada no jornal Na Semana - edição 40 - de 24 a 30 de dezembro de 2009.
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